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Durante os próximos artigos vou tentar passar para vocês o que, no momento, entendo ser o melhor caminho para se chegar ao centro e nele permanecer.
Não serão artigos puramente técnicos, pois o caminho é composto muito mais de atitudes do que de conhecimentos técnicos. Na realidade, a técnica do disparo é muito simples; o difícil é regular e controlar a máquina responsável pela sua execução: o cérebro.
A técnica, como falei, é simples; consiste em assumir uma posição estável, alinhar a arma na direção do alvo, acionando o mecanismo de disparo sem alterar a estabilidade e o alinhamento, possibilitando assim, que o projétil lançado atinja o centro do alvo. Simples, muito simples!
Para que possamos falar a mesma linguagem, selecionei duas frases que sintetizam o que entendo por “filosofia de treinamento do tiro esportivo”.
A primeira, do Psicólogo Roberto Shinyashiki, profundo conhecedor da alma humana. Ela define os principais atributos que o vencedor necessita:
“Ninguém chega ao sucesso por acaso, por trás de um troféu sempre existe uma trajetória calcada em muita disciplina e perseverança.”
A segunda, de Mario Quintana, exprime com a sensibilidade dos poetas, a minha maneira de ver não só o esporte, mas a vida em si:
“O segredo não é correr atrás das borboletas...É cuidar do jardim para que elas venham até você.”
Portanto, para regular a nossa máquina de produção de centros e mantê-la funcionando corretamente, necessitaremos de muita disciplina, perseverança e principalmente, de compreender que o dez é uma conseqüência, e não o objetivo. O dez é a nossa borboleta.
O que será então o nosso jardim? Qual é a responsabilidade do atleta do tiro esportivo?
Todo esporte individual calcado na execução de uma ação que é aferida por um parâmetro mensurável, tem o mesmo perfil do tiro esportivo. Executa-se a ação, e através da medida desse parâmetro avalia-se quão melhor foi a sua execução. Um atleta de salto em altura, ao ultrapassar o sarrafo, tem na altura do mesmo a avaliação do resultado de sua ação. Um corredor de 100 metros avalia o seu desempenho pelo tempo medido para percorrer a distância.
Porém no tiro, mais especificamente nas modalidades de bala, encontramos uma característica ímpar: durante a prova não temos informação nenhuma do resultado dos outros atiradores. Por isso, não competimos contra ninguém. A aferição e comparação dos desempenhos só são feitas após o término da competição. Mantemos a nossa competitividade sem nenhuma informação sobre o desempenho dos demais participantes. Assim, mais do que em qualquer outro esporte, no tiro vence quem melhor controlar e regular a sua psique.
Em termos de resultado, a ação correta é aferida pela posição dos impactos em relação ao centro geométrico do alvo. Quanto mais próximo do centro, mais corretamente a ação foi executada, certo? Em parte. Nem sempre o tiro no centro do alvo indica que o processo foi executado corretamente.
Apesar de o resultado ser determinado pela soma dos pontos, para efeito de regulagem e treinamento da nossa “máquina de fazer tiros certos”, o que vale em primeiro lugar é o agrupamento dos impactos. Ou seja, quão junto estão os tiros efetuados. O valor do tiro em si só passa a ter importância muito adiante, quando já aprendemos a forma correta de executar o processo do disparo; no ajuste fino da máquina.
Por isso, a primeira distinção que faremos é sobre a responsabilidade do atirador. De todos os fatores que influenciam no seu resultado, muitos não dependem especificamente dele e, por conseguinte, não são de sua responsabilidade direta. Aí se incluem os equipamentos utilizados, a munição, as instalações e os fatores climáticos como vento, temperatura, luminosidade, etc...
Logicamente, a escolha do material mais apropriado e o cuidado para que funcione da melhor forma possível é da responsabilidade do atirador, porém, a sua dedicação ao treinamento não fará, por exemplo, que a munição escolhida e testada, produza um agrupamento menor do que o obtido com a sua arma na estativa.
As instalações e os fatores climáticos afetam igualmente a todos os concorrentes, porém é da responsabilidade do atleta a análise prévia dos mesmos, traçando a tática que adotará durante a competição.
Lembro-me de uma competição de carabina deitado, uma prova internacional, que um atleta da Seleção Brasileira levou 45 minutos, depois que o juiz deu o aviso de prova iniciada, para escolher o “insert” que deveria utilizar para a luminosidade do dia. Essa certamente foi a tática escolhida para justificar o seu péssimo resultado, e não para garantir o seu melhor desempenho.
Essa definição de responsabilidade é fundamental para que o atirador perceba e se conscientize onde ele deve concentrar os seus esforços de treinamento, ou seja, no que ele realmente pode influenciar e desenvolver.
O certo é que antes de comprar qualquer equipamento, ele leia os regulamentos técnicos da modalidade que escolheu. Sua responsabilidade começa então, no conhecimento das regras da prova, para então definir o que adquirir. Nessa fase de testes é importante que o clube tenha material para emprestar ao atirador iniciante, e que esse atirador seja orientado no sentido de fazer investimento correto no material.
Após comprar o melhor equipamento que a sua “habilidade financeira” permite, o próximo passo é conhecer todos os recursos que ele oferece, incluindo as possibilidades de regulagem e os seus efeitos.
O passo seguinte é ajustar o conjunto arma/atirador. Inclui-se no item atirador; a roupa de tiro e os demais apetrechos utilizados por ele, como óculos, abafador de ruído, etc... E no item arma; a bandoleira, o gancho, as miras, a empunhadura ou coronha, etc...
Revendo a definição da técnica do tiro esportivo, na sua simplicidade ela exige que de forma natural, sem esforço, o atirador consiga alinhar e estabilizar a sua arma na direção do alvo. Para isso, ele tem que ser capaz de em frente a uma parede branca e com os olhos fechados, levar a arma até a posição de disparo, e ao abrir os olhos, encontrar a figura alça/massa alinhada. Essa é a informação de que o conjunto arma/atirador está pronto e ajustado.
O nosso jardim, portanto, começa no conjunto arma/atirador. O primeiro passo para cuidar dele é acertar o alinhamento desse conjunto.
Eu levei cerca de um ano para ajustar o meu conjunto na pistola livre e na pistola de ar; trabalhando com paciência os cabos para que, ao empunhar a arma e levantá-la de olhos fechados até a altura de disparo, pudesse ao abri-lo, encontrar as miras alinhadas. Esse é um trabalho que deve ser feito pelo atirador. Quando muito, orientado pelo técnico. Mas quem tem que pegar na massa e na lixa, é você.
Cabe ressaltar, que a arma deve vir ao atirador, e não o inverso. Principalmente, a cabeça deve permanecer numa posição natural, possível de ser assumida sempre igual, sem esforços e, desse modo, repetida milhares de vezes.
Uma vez ajustado a empunhadura e o alinhamento, por favor, não mexa, por um longo tempo, na arma. É muito comum atiradores passarem a vida toda “encontrando” no cabo ou na coronha um novo jeito de fazer o dez. Não tem “novo jeito”. Se o conjunto está alinhado, sem esforço, com a cabeça na posição natural, esse passo está dado e é praticamente definitivo.
Se não ficou igual ao “Centrovizk” ou ao “Xang Ten”, os dois melhores atiradores do momento, não se preocupem: vinte, dos vinte primeiros atiradores do ranking mundial da sua prova têm conjuntos atirador/arma diferentes entre si. A única coisa que eles todos têm em comum é o correto alinhamento das miras, sem esforço.
Não estamos falando ainda de posição, apenas do alinhamento básico, primário, que permitirá iniciarmos o trabalho de desenvolvimento dos elementos (fundamentos) do processo de disparo.
Ao terminar de ler esse artigo, faça o “teste do alinhamento”. Mas seja honesto. Nada de jeitinhos. Em frente a uma parede branca, feche os olhos e leve a sua arma até a altura de disparo. Quando ela estiver estabilizada na posição de disparo, abra os olhos e verifique se as miras estão alinhadas corretamente. Se você teve que movimentar sua cabeça, o pulso ou reajustar a arma ao corpo para tê-las alinhadas, em suma, deu um jeitinho, volte à etapa zero. Qualquer ação ou disparo feito com o conjunto arma/atirador não alinhado, já começa errado.
Parece óbvio, mas vocês não imaginam a quantidade de “bons” atiradores que chegam à Seleção Nacional sem terem esse conjunto corretamente ajustado. Depois, não sabem por que as borboletas não pousam no seu jardim...
Mushin (Não pensar em nada - Mente Vazia)
Mu (vazia) shin (mente)
"Não se pensa em nada de definido, quando nada se projeta, aspira, deseja ou espera, e que não se aponta em nenhuma direção determinada e, não obstante, pela plenitude da sua energia, se sabe que é capaz do possível e do impssível...esse estado, fundamentelmente livre de intenção e do eu, é o que o Mestre chama de espiritual."
Herrigel - A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen.
"Não se pensa em nada de definido, quando nada se projeta, aspira, deseja ou espera, e que não se aponta em nenhuma direção determinada e, não obstante, pela plenitude da sua energia, se sabe que é capaz do possível e do impssível...esse estado, fundamentelmente livre de intenção e do eu, é o que o Mestre chama de espiritual."
Herrigel - A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen.
Sabedoria Chinesa
Quando um arqueiro atira sem alvo nem mira, está na originalidade de sua realização de atirador.
Quando atira para ganhar, instala-se em sua realidade uma cisão entre atirar e ganhar. E já fica nervoso.
Quando atira por um prêmio, fica cego.
Pela cisão vê ao mesmo tempo dois alvos.
Sua realidade é a mesma, mas as divisões o cindem.
Ele se pre-ocupa mais em ganhar do que atirar.
Vê mais o prêmio do que o alvo.
A necessidade de vencer lhe esgota a força de identidade!
Chuang-tzu - "Mestre Zhuang"
Filósofo taoísta chinês (369 a.c. / 286 a.c.)
Quando atira para ganhar, instala-se em sua realidade uma cisão entre atirar e ganhar. E já fica nervoso.
Quando atira por um prêmio, fica cego.
Pela cisão vê ao mesmo tempo dois alvos.
Sua realidade é a mesma, mas as divisões o cindem.
Ele se pre-ocupa mais em ganhar do que atirar.
Vê mais o prêmio do que o alvo.
A necessidade de vencer lhe esgota a força de identidade!
Chuang-tzu - "Mestre Zhuang"
Filósofo taoísta chinês (369 a.c. / 286 a.c.)
13 julho 2008
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