INTRODUÇÃO
Enfim, vamos falar um pouco sobre programas de treinamento. Por se tratar de assunto amplo e complexo, o que pretendemos nesse momento é apenas dar um ponto de partida para a discussão.
Pela sua extensão, ele será dividido em quatro partes, onde retomaremos algumas questões já abordadas em artigos anteriores, reorganizando algumas ideias e conceitos relacionados à execução dos exercícios para os fundamentos posição e acionamento, e, por final, abordaremos a elaboração de um programa de treinamento para o atleta do Tiro Esportivo.
Na primeira parte trataremos de questões relacionadas aos estágios da formação do atleta e sua hierarquia, bem como a importância de se cumprir um programa de treinamento assistido por uma equipe técnica multidisciplinar.
Na segunda e terceira parte abordaremos detalhadamente os exercícios que devem compor o programa do atleta iniciante na modalidade de precisão, revisando conceitos básicos e introduzindo alguns conceitos novos, inerentes à formação do hábito e ao treinamento da técnica no Tiro Esportivo.
Na quarta e última parte vamos falar um pouco de como deve ser montado um programa de treinamento com os exercícios apresentados.
Nas quatro partes manteremos um diálogo não muito técnico para que se torne acessível a todos.
É importante frisar que se trata de uma introdução ao assunto, objetivando iniciar uma ampla discussão sobre as questões envolvidas no treinamento do atleta do Tiro Esportivo com foco na ciência do desporto, enfatizando a importância de agregar todos os campos do saber que podem e devem estar envolvidos nessa discussão.
PROGRAMA DE TREINAMENTO – 1ª PARTE
O QUE VOCÊ ESTÁ TREINANDO?
Retornando a uma questão já mencionada em outros artigos, iniciaremos com o teste básico para saber se o atleta cumpre ou não um programa de treinamento. Chegando ao estande de tiro do seu clube, pergunte a qualquer um que esteja “aparentemente treinando”: o que você está treinando? Invariavelmente, depois de fazer uma cara de espantado, o questionado lhe dará a seguinte resposta: tiro, ué! Conclusão: não está treinando nada, ou pior, está “treinando erro”.
Está treinando fazer bem feito a coisa errada.
Quem leu os artigos já publicados sabe:
1. Que um atleta passa por quatro fases no treinamento de uma ação motora: incompetência inconsciente (não sabe que não sabe), incompetência consciente (encontra-se em processo de aprendizagem e ainda não sabe realizá-la de forma correta), competência consciente (aprendeu e consegue realizá-la de forma correta) e a competência inconsciente (pelo treinamento é capaz de realizá-la de forma correta e inconsciente, ou seja, transformou-a em hábito).
2. O quanto é importante inicialmente aprender e treinar isoladamente cada fundamento, mantendo posteriormente no seu programa de treinamento exercícios de aperfeiçoamento, também individuais, de cada fundamento.
3. Que isso é feito com o objetivo de transformar em hábito a sequência das ações motoras que compõem cada fundamento, e que, só dessa forma, conseguiremos realizá-las de forma integrada e inconsciente, ou pelo menos, sem o “espírito crítico” próprio do processamento consciente.
4. Que só depois de aprender e treinar cada fundamento é possível unificar as partes que compõem o processo do disparo numa única ação motora que, da mesma forma, será aprendida e treinada até alcançar o status de hábito.
A essa ação motora unificada, que representa o processo de disparo de cada modalidade, chamamos de gestual da modalidade. Cada modalidade terá o seu gestual próprio e cada atleta irá realizá-lo de forma única e pessoal. A esse gestual “personalizado”, que conforme a modalidade em questão engloba de um a cinco disparos, chamamos de ritual.
O objetivo final do programa de treinamento é, portanto, transformar a “sequência de prova” em um “macro processo”, que também será aprendido e treinado até ser realizado de forma inconsciente. Nesse ponto, o que se busca é a fluência. Chega-se então à competência inconsciente, tão almejada pelo atleta do Tiro Esportivo.
Só na fluência o atleta poderá atingir toda a sua plenitude. São nos momentos de fluência que os grandes desempenhos ocorrem. Poucos atletas atingem o ponto de fluência e, mesmo depois de vivenciá-lo, é pouco provável que consiga reproduzi-lo em todos os momentos apenas por “vontade própria”. A fluência não é um status fisiológico que se alcança. É um estado de integração bio-psico-social, ou seja, um momento onde o atleta consegue integrar, de forma holística e harmônica, suas três esferas: biológica, psicológica e social. Por acaso não seria essa a principal meta do desportista?
Visto a hierarquia das tarefas, podemos então iniciar o trabalho de montagem do programa de treinamento. Para efeito pedagógico, vamos considerar que existem dois grupos de atletas: os iniciantes e os já praticantes; e quatro momentos de treinamento, conforme os objetivos a serem alcançados: aprendizado e treinamento dos fundamentos; aprendizado e treinamento do ritual de disparo; aprendizado e treinamento do macro ritual de competição; a busca da fluência. Também para efeito pedagógico, vamos classificar de iniciante aquele que ainda está na fase do aprendizado básico e não é capaz de realizar o ritual do disparo na competência consciente.
Nesse momento, iremos abordar a montagem do programa de treinamento para o iniciante, ou seja, aquele que chega ao clube na incompetência inconsciente, sem nada saber. É a pedra bruta.
O primeiro passo é a aula teórica onde serão abordados basicamente os seguintes temas: regras de segurança no manuseio da arma e a conduta no estande de tiro; descrição e funcionamento da arma (apenas as partes principais, sem entrar em detalhes do mecanismo); a munição e conceitos básicos sobre balística interna e externa; os conceitos básicos do treinamento esportivo; os três pilares do treinamento do Tiro Esportivo: físico, técnico e psicológico, e a influência de cada um no desempenho esportivo; os fundamentos do Tiro Esportivo e as informações necessárias para que o atleta possa montar o modelo mental de cada fundamento; o cenário do Tiro Esportivo nacional e internacional, suas modalidades, organização e instituições envolvidas na gestão do esporte, as normas do clube, etc.
É importante que se enfatize a necessidade do cumprimento do programa de treinamento, deixando claro ao iniciante que o Tiro Esportivo não é uma “atividade de lazer”, e sim um esporte, ou melhor, um caminho para o autodesenvolvimento, que como tal irá requerer dele comprometimento, dedicação, organização, priorização e disciplina. Não que a pessoa tenha obrigatoriamente que “levar o tiro a sério”. Um sócio do clube pode querer passar o resto da vida “dando tiro” sem efetivamente treinar. É uma opção que não pode ser eliminada do “cardápio” do clube. Nesse caso, o sócio só precisa saber e cumprir as regras de segurança. Porém, aqui estamos falando de esporte e nesse caso, não há outra forma de iniciar o caminho.
O segundo passo é fazer a avaliação inicial levando-se em conta os aspectos físicos, psicológicos e sociais do aprendiz. Essa avaliação é composta de entrevistas e testes de cada área, e é realizada pelos profissionais que compõem a equipe técnica multidisciplinar que assistirá doravante o iniciante. Para que se tenha efeito, a equipe deve ser composta pelo técnico, por um preparador físico e um psicólogo, além de poder contar com a assessoria de um médico, um nutricionista e um fisioterapeuta. Os dados obtidos servem como ponto de partida para a montagem do programa de treinamento individualizado (por atleta).
Sei que a maioria deve estar pensando que isso é utópico ou que não estou sintonizado com a realidade brasileira. Muito pelo contrário. Não é porque não temos uma equipe multidisciplinar na CBTE e na maioria das Federações, que devemos pular essa etapa. Na realidade, estamos falando do clube, que possivelmente, terá uma “facilidade maior” de montar essa equipe multidisciplinar, principalmente em se tratando de clubes esportivos, onde várias modalidades são praticadas e assistidas por equipes técnicas similares.
Suponhamos que você está num clube que não tem nada disso (agora ficou mais perto da sua realidade?) e mesmo assim gostaria de começar o mais certo possível. Nesse caso, o mínimo que deverá buscar é, além da assistência do técnico, o apoio de um preparador físico e de um psicólogo do esporte.
O preparador físico é fácil. Em qualquer cidade você encontra uma boa academia de ginástica com profissionais capacitados a lhe assessorar na preparação física. Basta que você descreva as características elementares da modalidade para que ele possa dimensionar suas necessidades iniciais e elaborar o seu programa de preparação física, tanto geral quanto específica.
Outra solução é o clube ou a Federação firmar um convênio com uma Universidade ou Faculdade de Educação Física, buscando uma parceria que certamente será interessante para ambas às entidades.
Essa pode ser também a solução inicial para o treinamento psicológico. Toda Faculdade de Psicologia tem um SPA (Serviço de Psicologia Aplicada) responsável pela supervisão das atividades de estágio em Psicologia realizadas pelos estudantes dos últimos períodos do curso de graduação.
Ao contrario do que a maioria pensa, a atuação do psicólogo não é “acalmar e motivar o atleta no momento da competição”. A Psicologia do Esporte cumpre uma importante função, desde a fase inicial de formação do atleta até o alto-rendimento, passando, logicamente, pelo momento competitivo (ver artigo “Psicologia do Esporte” no blog).
O ideal é que, posteriormente, o clube possa contratar tanto um preparador físico como um psicólogo para assistir seus atletas. Isso evitará a descontinuidade inerente da situação do atendimento exclusivo por estagiários.
Infelizmente, o que é condição sine qua non (sem o qual não pode ser) para os demais esportes, é o mais raro de encontrar no nosso: um técnico no clube. Não por falta de material humano, mas sim por falta de uma política adequada de formação de técnicos pela CBTE, prática que vem se arrastando há anos. Formaram-se instrutores de armas de fogo, mas nenhum técnico de Tiro Esportivo. Os últimos foram formados por um convênio que a CBTA (Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo), antecessora da CBTE, manteve por alguns anos com a Escola Americana de Tiro Esportivo em Fort Benning (USA), numa iniciativa do então Presidente, Cel. Hugo de Sá Campelo. Certamente essa é a principal razão que me motivou a criar e manter o blog.
PROGRAMA DE TREINAMENTO – 2ª PARTE
ENTENDENDO OS EXERCÍCIOS DE AQUECIMENTO
Vamos então ao que interessa: ajudá-lo a montar o seu programa de treinamento técnico de armas curtas, partindo da premissa que irá iniciar pelo tiro de precisão e que você já leu os artigos técnicos anteriormente publicados no blog.
Primeiramente, como em qualquer treino esportivo, você terá que realizar alguns exercícios de aquecimento. Sob o termo aquecimento, pode-se entender todas as medidas que servem como preparação para o esporte (seja para o treinamento ou competição). O aquecimento visa a obtenção do estado ideal psíquico e físico, a preparação cinética e coordenativa e a prevenção de lesões (Weineck, 2003).
Comece realizando movimentos giratórios, horários e anti-horários, para aquecimento das articulações do punho, cotovelos, ombro, tronco, joelhos e tornozelos, seguidos de uma pequena corrida (de +/- 500m) no ritmo de trote ou caminhada acelerada. Esses exercícios, como aquecimento global, visam obter um aumento da temperatura corporal, da temperatura da musculatura e preparação do sistema cardiovascular e pulmonar para a atividade e para o desempenho (Weineck, 2003). Em seguida, empunhando a pistola ou peso de 1 Kg, realize dez movimentos de subida (90º) e descida (45º) com cada braço.
Após esse aquecimento global, faremos exercícios de alongamento como aquecimento ativo específico. Esses devem se adaptar à estrutura muscular, flexibilidade e grau de tensão de cada atleta. A chave do seu êxito está na regularidade e na moderação. Os objetivos são reduzir a tensão muscular e psíquica e tornar os movimentos mais livres (Toledo, 2004). Veja com o seu preparador físico a sequência ideal e o tempo de cada exercício, adaptado à sua modalidade. Alguns autores preconizam que os exercícios de alongamento devam ocorrer após o treino técnico, com base em pesquisas recentes que demonstraram uma redução na força física após o alongamento da musculatura.
Uma vez preparado o corpo, podemos passar para os exercícios técnicos. Como iniciante, você terá como meta principal, nos seis primeiros meses do seu treinamento, o desenvolvimento de uma boa posição e do correto acionamento do gatilho. O treino será dividido em exercícios para cada um desses fundamentos. Ou seja, vamos inicialmente trabalhar com apenas duas variáveis na nossa equação do Tiro Certo: posição e acionamento.
ENTENDENDO OS EXERCÍCIOS DE POSIÇÃO
O 1º exercício será o de posição exterior, onde você irá buscar o alinhamento do seu conjunto arma-atirador em relação ao alvo, ou melhor, em relação ao plano vertical que passa pelo centro do alvo.
No posto de tiro, utilizando o alvo normal (com a bola preta virada para você), entre na sua “posição básica” empunhando a arma com o braço esticado e inclinado à +/- 40º, olhe para a zona de visada, feche os olhos e levante a arma à +/- 130º; desça até a altura de disparo e, após estabilizar o braço, abra os olhos e verifique a posição da figura de visada (alça e massa) em relação ao plano vertical que passa pelo centro do alvo.
Acerte o seu conjunto arma/atirador em relação ao plano, até que consiga uma posição alinhada ao alvo. Você poderá tanto deslocar o corpo para frente e para trás no sentido paralelo a linha de tiro, como girar o corpo no seu eixo central (eixo perpendicular ao chão que passa pelo centro da cabeça) no sentido horário e anti-horário. Conseguir esse alinhamento é sempre a primeira tarefa do atleta no posto de tiro, seja no treino ou na competição.
Para os iniciantes, sugerimos como “posição básica”, dispor o corpo de forma que a linha de ombros fique perpendicular à linha de tiro; os pés paralelos ou um pouco abertos, separados à uma distância igual à largura dos ombros; a mão livre deve ser colocada no bolso, permitindo relaxar totalmente a musculatura do ombro e do braço que não está empunhando a arma.
A “batata das pernas” deve ser “jogada” para trás, “trancando” as articulações dos joelhos; a barriga deverá ser projetada um pouco para frente, as costas um pouco para a trás e o quadril deslocado na direção dos alvos; movimente a cabeça até conseguir produzir a sensação de que o corpo está equilibrado.
Levante a arma com braço esticado e o punho firme; eleve-o à +/- 130º, inclinando levemente o tronco para trás para “compensar” o peso que está levantando, procurando distribuir o esforço pela musculatura do ombro e das costas. Ao descer a arma até à altura de disparo, o movimento deve ser feito de forma lenta, numa descida vertical, deixando que o próprio peso da arma determine o tônus dos músculos usados para mantê-la suspensa. O trabalho dos músculos do braço não é de contração muscular, e sim de extensão.
O quanto e como cada parte do corpo será “deslocada” são singulares. A própria posição acima é uma mera sugestão. Temos atletas excelentes que não seguem nada do que foi sugerido. Ao mesmo tempo, nunca saberemos se eles seriam melhores ou piores se iniciassem com essa orientação. Na realidade, a posição que indicamos é a mais usada pelos atletas finalistas...e os do final da lista também. O que mais importa é que o atleta descubra a sua posição exterior inicial para depois aprimorá-la nos exercícios de posição interior.
Após conseguir uma posição alinhada ao alvo, marque com um giz o contorno dos pés para ter um registro do seu início de treino. Essa posição poderá ser alterada durante os próximos exercícios pela “acomodação” do corpo, e é importante que você observe essa tendência.
O 2º exercício é o de posição interior. É o exercício base do treino técnico e irá lhe acompanhar pelo resto de sua vida. É a essência da atividade de precisão: ficar imóvel, estático, quieto, uma postura cômoda e estável (inicialmente mais estável do que cômoda), relaxando o maior número de músculos possível e utilizando de forma igual e uniforme (tônus uniforme) os músculos necessários à sustentação da arma e à manutenção do estado de equilíbrio do corpo. Nessa sustentação incluímos também a empunhadura da arma, ou seja, o envolvimento do cabo pela mão, o posicionamento e o toque do dedo indicador na tecla do gatilho.
Vamos então redescrever o exercício, já que ele foi alvo de textos anteriores sobre o fundamento posição. Após encontrar a sua posição exterior, ainda utilizando o alvo normal, levante a arma, repetindo o movimento já descrito no 1º exercício, e desça até a zona de visada (ZV). Ao chegar à ZV, feche os olhos e passe, inicialmente, a sua atenção para a sola dos pés e para a “pressão de contato” contra o chão, ou seja, contra a sua superfície de apoio. A pressão que você percebe é o “efeito” da componente final de todas as forças exercidas pela sua musculatura para lhe manter em pé sustentando a arma, opondo-se à força de gravidade que atua constantemente sobre o seu corpo.
Com os olhos fechados, perceba e relaxe cada grupo muscular, mantendo ativado apenas os necessários. Altere a posição da cabeça, das partes do seu corpo, testando os movimentos sugeridos na posição básica do exercício anterior, até você encontrar a sua posição interior ideal, ou seja, aquela que lhe permitirá manter-se o mais estável possível. Pela pressão na sola dos pés você terá o feedback de cada modificação. Para alguns atletas, o pé mais afastado da linha de tiro irá receber uma maior “pressão”, porém, o deslocamento do quadril para a direção dos alvos nos permite uma “pressão” igual em ambos os pés. Isso significa que você encontrou a sua posição ideal com a resultante do seu peso, sendo projetada no centro da sua área de apoio, ou seja, a área geométrica em forma de trapézio formada pelos seus pés.
Mantenha os olhos fechados de 15 a 20 segundos (depende da resistência física inicial de cada atleta), vivenciando toda essa experiência de “construção” da sua posição interior. Se quiser, pode fazer todo o exercício em apneia ou respirando lentamente, quase se esquecendo da respiração. Percorra mentalmente todo o seu corpo, começando na sola dos pés e subindo para os tornozelos, pernas, cochas, quadril, tronco, ombro, braço, antebraço, punho, mão envolvendo o cabo, dedo no gatilho, e volte até chegar à sola dos pés novamente. “Suba e desça”, escaneie seu corpo relaxando e percebendo a atuação de cada conjunto muscular (os que devem ficar relaxados e os que são necessários à manutenção da posição). Como falei, é a essência do tiro de precisão. Isso é treinar posição interior!
Abra os olhos e verifique a posição da figura de visada no alvo. Se você permaneceu “imóvel”, parabéns, a figura massa e alça estará alinhada e na ZV. Se não conseguiu, não se preocupe. Normalmente, levam-se alguns anos para conseguir.
Repita o exercício de dez a vinte vezes, e descanse por 20 segundos entre cada uma. A cada dez repetições, faça cinco com o braço oposto. Isso irá compensar o esforço feito com o braço forte, minimizando o desenvolvimento desproporcional da sua musculatura.
Algumas variações desse exercício:
a) Ao fechar os olhos, passe toda a sua atenção para o braço (ombro, braço, antebraço, punho, mão e dedo indicador) que está empunhando a arma, procurando mantê-lo na mesma posição e com a mesma ativação muscular durante os 10-20 segundos.
b) Idem com o punho. A manutenção do tônus muscular do punho é a chave para mantermos a figura de visada alinhada.
c) Idem com alguma parte do corpo que queira controlar especificamente.
d) Idem para o movimento de oscilação do corpo, caso você verifique que isso está ocorrendo, de forma anormal, quando dispara.
Você pode fazer um treino inteiro só com exercícios para o desenvolvimento da posição interior. Esses exercícios lhe permite desenvolver a sua percepção cinestésica, ou seja, melhorar a comunicação do SNC principalmente com os proprioceptores espalhados por todo o seu corpo, tanto nas vias aferentes (receptores somatossensoriais) como nas eferentes (sistema motor), bem como propicia criar a memória muscular da sua posição.
Veja que ambos os exercícios,( posição exterior e interior), podem ser feitos em casa, diariamente, utilizando um circulo (“O”) de 2,5 cm diâmetro, impresso numa folha branca de papel e posicionado (o centro do círculo) a +/- 1,50 m de altura, representando a ZV para uma pessoa de 1,70 m de altura, treinando a 1,5 m de distância do papel. Nos artigos anteriores, esse “alvo de treino” já foi mencionado. Tanto o círculo como a cruz, que será utilizada nos exercícios de estática, compõem com a “parede branca” o estande de “treino residencial”.
FICAR QUIETO E ACEITAR O ARCO DE MOVIMENTO
O 3º exercício é o de estática. O objetivo é também treinar a posição, porém, junto com ela você irá treinar duas importantes habilidades do atleta do Tiro Esportivo: ficar quieto e aceitar o seu arco de movimento.
Parece óbvio, mas é justamente aí que reside o maior problema do Tiro Esportivo. Cabe, pois, uma pequena explicação em cinco etapas, para que vocês possam aproveitar ao máximo o exercício.
Em primeiro lugar, é preciso entender que por mais que você treine, restará sempre um arco de movimento, ou seja, o seu conjunto arma/atirador e, por conseguinte, a figura de visada nunca irá parar totalmente. A esse movimento, que permanece durante todo o período de sustentação da arma, chamamos de “arco de movimento residual” e sua amplitude irá depender do seu preparo físico específico e do correto desenvolvimento da sua posição interior. Após seis meses de treinamento adequado, a maioria dos senhores (as) terá um arco de movimento residual inferior ao diâmetro da zona do 9,5 (alvo de pistola de ar). Isso significa que se dependesse apenas do arco de movimento, todos os seus disparos seriam melhores do que 9,5 pontos, e isso com apenas seis meses de treinamento. Se você aguardasse um ano para começar a disparar com chumbinho, todos ocorreriam dentro da zona do 9,7. Por que razão então a maioria treina há tanto tempo e faz tantos disparos piores? A razão está na mente e se resumem numa só palavra: perfeição.
Alguém falou para eles que o disparo tem que ser perfeito e que isso significa manter a figura alça/massa/alvo perfeitamente alinhada. Quem já leu os artigos anteriores sabe que isso jamais ocorrerá, pelo menos não será percebido em tempo real. E isso é o que temos que entender, em segundo lugar. Além de a imagem percebida ser uma figura do passado, não há necessidade de parar (mesmo que fosse possível) a figura de visada em relação ao alvo para termos um agrupamento menor que o diâmetro da zona dos 10 pontos.
Em terceiro lugar, temos que entender que, se a empunhadura física da arma (ver artigo sobre o fundamento “empunhadura”) estiver correta, ao manter o punho firme (tônus muscular constante) durante o processo de acionamento do gatilho, você consequentemente conservará o alinhamento da figura de visada necessário para produzir um agrupamento menor que a zona dos 10 pontos. Ou seja, acertando a figura de visada no ápice do movimento de elevação da arma, realizando nesse momento as correções necessárias de punho e da posição do corpo (principalmente da cabeça) para obter a figura alinhada, bastará manter o punho firme durante todo o movimento de descida que a figura chegará alinhada à ZV. O ápice do movimento de subida é, pois, o momento de realizar os ajustes de punho e de estabilização do corpo. Essa é a razão pela qual recomendamos realizar duas inspirações e expiração como “rotina respiratória” do processo. Suba inspirando, expire no ápice, inspire enquanto alinha a figura de visada e estabiliza o corpo, e desça lentamente expirando e mantendo o punho firme e o corpo estabilizado.
Em quarto lugar, é preciso entender que a melhor maneira de manter o punho firme durante o movimento de descida é fazê-lo com o foco visual na mão ou na alça de mira. Nesse ponto chegamos a uma importante conclusão: descer tentando alinhar a alça e a massa, com o foco na massa de mira e preocupado com a perfeição do alinhamento, obriga o atleta realizar constantes, desnecessários e imperceptíveis (no que tange à consciência) movimentos de punho. Descendo à ZV com esses movimentos, ele será obrigado a mantê-los e provavelmente ampliá-los durante o final do processo de disparo. Esses movimentos de punho são responsáveis pelo “lançamento” do projétil para longe do seu agrupamento, impedindo o atleta de manter um agrupamento proporcional ao seu arco de movimento residual. Esses disparos “lançados” são os “FDP” (filhos da perfeição), que impedem a obtenção dos bons resultados.
Assim como o atleta de carabina tem que atingir o “ponto zero” pelo movimento “natural” de entrada da arma no alvo, o atleta de pistola tem que chegar à ZV “naturalmente”. Essa “naturalidade” é obtida pela construção da memória muscular da posição, pelos exercícios de posição interior, e pela correta empunhadura física da arma.
Por último, em quinto lugar, temos que entender que ao chegar à ZV, basta o atleta ficar quieto, aceitando e aguardando o seu arco de movimento estabilizar, sincronizando o movimento correto de flexão do dedo indicador com a redução do arco até a sua menor amplitude. Só dessa forma, ele poderá realizar o seu melhor desempenho. Ou seja, a nossa melhor atitude é ficar quieto. Na realidade, o óbvio está exatamente nisso: a melhor maneira de se conseguir a imobilidade é não se mexer. Qualquer criança sabe disso! O que nos obriga a mexer é a obsessão pela perfeição. Ou seja, o grande paradoxo do Tiro Esportivo é que a busca do tiro “perfeitamente alinhado” nos impede de atingir e/ou aproveitar o nosso melhor arco de movimento pela tentativa utópica de “parar a arma na marra”.
Agora que entendemos o que é, e a razão do “ficar quieto e aceitar o arco de movimento” podemos aproveitar o exercício de estática.
Na primeira fase do exercício iremos treinar a habilidade de “ficar quieto e aceitar o arco de movimento”, ou seja, manter todo o corpo parado.
Ele é exatamente igual ao de posição interior, também com o alvo normal, só que é feito com os olhos abertos. Leve a figura de visada para a ZV, pelo movimento padrão, e fique quieto, assistindo o seu arco de movimento por cerca de 20 segundos, observando ele diminuir pela estabilização natural do corpo, até chegar no “arco de movimento residual”. Você irá assistir ao espetáculo que é sua arma se movendo lentamente, quase parando, e o quanto isso melhora na medida em que você fica cada vez mais quieto. Esqueça o alvo e concentre-se na redução do seu arco de movimento, dentro da ZV. Antes que eu me esqueça, faça isso com o foco na mão ou na alça de mira, ou melhor, no nada. Sem focar nada especificamente, observe o movimento da figura à sua frente. A “borra” preta do alvo fará parte da figura de fundo, que nunca será focada.
Repita dez vezes o exercício, descansando por 20 segundos entre cada repetição. Após dez repetições, faça cinco com o braço oposto. Em casa, utilize a cruz, cujo centro deverá estar na mesma altura do centro do círculo (“O”) utilizado como ZV.
O desempenho no exercício é aferido pela redução gradual da amplitude do arco de movimento residual. Para registrar essa evolução, o uso de equipamentos eletrônicos de apoio ao treinamento, como o SCATT, auxilia bastante, principalmente quando se treina sozinho. Os simuladores gravam a trajetória do movimento da boca do cano da arma, permitindo a posterior observação do “novelo” do arco de movimento. Além disso, ainda oferecem diversos indicadores técnicos como, por exemplo, o tempo de permanência na zona dos 10 pontos.
Na segunda fase do exercício vamos unir o “aceitar o arco de movimento” com o movimento de flexão do dedo indicador. Chamaremos esta fase de estática com movimento do dedo do gatilho. O exercício é bem parecido com a fase anterior, porém com as seguintes alterações: usaremos o alvo branco, ou seja, virado ao contrário (com a bola preta para trás), e incluiremos o movimento do dedo indicador sobre a tecla do gatilho enquanto assistimos, como na primeira fase, o arco de movimento se transformar no “arco de movimento residual”. Acrescentar o movimento de flexão do dedo indicador tem como objetivo principal aprender a realizar o acionamento sem relaxar o tônus dos músculos do punho. Esse relaxamento é a causa da “queda” da massa de mira no entalhe da alça durante o processo de acionamento. Quando a queda é percebida, a reação imediata do atleta é realizar um movimento de punho trazendo a massa novamente para a altura correta. Como essa tentativa de correção é feita no final do acionamento, quase sempre o movimento que ela provoca na ponta da arma é transferido ao projétil, exatamente no momento em que está saindo pela boca do cano. Esse movimento gera uma componente que “arremessa-o” para longe do centro do agrupamento. Ou seja, as tentativas de correção da figura de visada com movimentos de punho é a principal causa de tiros longe do agrupamento. Manter o punho firme, mesmo com pequenos desalinhamentos da figura de visada é a chave para realizar um bom agrupamento. O resto é feito com a chave de click.
O exercício nessa fase é descrito da seguinte forma: faça o movimento padrão de elevação da arma trazendo a figura de visada para a ZV, tudo igual à fase anterior, porém, sua atenção será dividida entre a aplicação da força de acionamento no eixo certo (50%) e na manutenção constante do tônus dos músculos do punho e da mão (50%), enquanto exerce e alivia a pressão sobre a tecla do gatilho. Se o gatilho for de dois estágios, trabalhe o dedo “tirando” e aliviando o primeiro estágio. Se não for, tente tirar +/- 90% da pressão no movimento de flexão.
O exercício é aferido pela manutenção da figura de visada enquanto trabalha a tecla do gatilho, observando principalmente tendências de deslocamento da massa causadas pela variação do tônus dos músculos do punho e da mão e/ou pela aplicação da força de acionamento num eixo não paralelo ao eixo do cano. Como subproduto desse exercício, você irá verificar e acertar a posição do seu dedo indicador e da tecla do gatilho, de forma a permitir que a força de acionamento seja aplicada no eixo certo, sem provocar componentes laterais, podendo então passar para os exercícios do fundamento acionamento (ver artigo sobre o fundamento acionamento no blog).
PROGRAMA DE TREINAMENTO – 3ª PARTE
ENTENDENDO OS EXERCÍCIOS DE ACIONAMENTO
O 4º exercício será dedicado à aprendizagem e treinamento do fundamento acionamento e também será dividido em duas fases.
O exercício, na primeira fase, será executado fora do posto de tiro, em frente a uma parede (ou folha de papel) branca, onde faremos o acionamento em seco de olhos fechados. Ele é descrito da seguinte forma: arme o gatilho em seco, levante a arma executando o movimento padrão e, ao chegar à ZV, aguarde o início da estabilização do arco de movimento, feche os olhos e passe 100% da atenção para o dedo indicador, mais precisamente para a parte da falange distal (ponta do dedo) que toca a tecla do gatilho; exerça a pressão de forma progressiva e ininterrupta, observando a “compressão” do dedo contra a tecla do gatilho, o movimento independente do indicador e o eixo de aplicação da força de acionamento evitando criar componentes laterais. Importante: só inicie o movimento de acionamento depois de passar 100% da atenção para o dedo indicador. Após o disparo em seco, faça o follow-through ainda de olhos fechados, abra os olhos e verifique o alinhamento da figura de visada. Se estiver alinhada o exercício deve ser computado como certo. Se tiver desalinhada, errado. Anote os acertos e erros e utilize o “placar” como forma de aferição do seu aprimoramento no fundamento acionamento. A meta é 100% de acertos.
Se o seu gatilho tiver dois estágios, preferencialmente (minha preferência) o primeiro deve ser acionado antes de chegar à ZV, durante o movimento de descida, ou seja, você chegará à ZV com a pressão parcial já executada e fará apenas o segundo estágio de olhos fechados.
Realize 20 acionamentos de olhos fechados, divididos em dois blocos de 10, descansando 20 segundos entre cada acionamento. Realize cinco movimentos com o braço oposto entre cada bloco, para compensar o esforço e reforçar o hábito.
Como esse é um exercício para aprendizado da principal ação motora do processo de disparo, vamos utilizar o recurso da visualização do modelo mental ideal antes da tentativa de execução, e a posterior verificação comparativa da ação executada com o referido modelo. Só assim você poderá reduzir o seu tempo de aprendizado.
Os dados para a montagem do modelo mental são: flexão independente (só mexe o dedo do gatilho), no eixo certo (paralelo ao eixo do cano), na intensidade necessária, progressiva e ininterrupta.
Assim, antes de levantar a arma para exercitar o acionamento, repasse o modelo mental repetindo-o em seu diálogo interno ao mesmo tempo em que visualiza mentalmente o movimento correto. Quando você levantar o braço, a sequência de execução correta, em forma de tarefa, estará na sua memória de curto prazo e pronta para ser executada conforme o modelo mental elaborado. Isso facilitará não só a sua execução, mas, o seu aprimoramento, o posterior feedback e as correções necessárias para o próximo movimento. Utilizar essa prática em todos os exercícios, e antes de executar qualquer ação motora irá acelerar o seu aprendizado e melhorar a qualidade do seu treinamento.
A segunda fase do exercício é similar, só que feito de olhos abertos, também na parede branca. Como estamos de olhos abertos, vamos dividir a atenção entre a aplicação da força de acionamento no eixo certo (50%), a manutenção constante do tônus dos músculos do punho e da mão e a consequente manutenção do alinhamento da figura de visada (50%). Ele é descrito da seguinte forma: arme o gatilho em seco, levante a arma executando o movimento padrão e, ao chegar à ZV, divida a atenção entre a ação do dedo indicador e a manutenção do tônus do punho e do alinhamento da figura de visada na ZV; exerça a pressão de forma progressiva e ininterrupta, observando a pressão do dedo contra a tecla do gatilho, o movimento independente do indicador e o eixo de aplicação da força de acionamento para não criar componentes laterais. Após o disparo em seco, faça o follow-through mantendo a atenção no alinhamento da figura de visada. Se permanecer alinhada, antes durante e depois do disparo em seco, o exercício deve ser computado como certo. Se sofrer qualquer tipo de desalinhamento, errado. Anote os acertos e erros e utilize o “placar” como forma de aferição do seu aprimoramento no fundamento acionamento. A meta é 100% de acertos.
Da mesma forma, se o seu gatilho tiver dois estágios, preferencialmente (minha preferência) o primeiro deve ser acionado antes de chegar à ZV, durante o movimento de descida, ou seja, você chegará à ZV com a pressão parcial já executada e completará apenas a pressão do segundo estágio. É importante lembrar também, que o alinhamento da figura de visada é feito no ápice do movimento de subida, olhando para a alça ou mesmo para a mão (não se foca nada especificamente), junto com a parcial estabilização do corpo, os movimentos de punho e o ajuste da cabeça. Ao alinhar, mantenha o punho firme e desça o braço, observando a arma, sem focar nada especificamente. Ao entrar no alvo, reduza o movimento de descida e inicie a pressão do primeiro estágio, buscando a alça de mira e observando que a massa encontra-se alinhada. Ao entrar na ZV, mantendo a atenção na figura de visada, aguarde a redução do arco de movimento e inicie a pressão do segundo estágio ao mesmo tempo em que passa o foco para a massa. Mantenha-se quieto, movimentando apenas o indicador de forma ininterrupta, até o disparo ocorrer. Mantendo a atenção na figura de visada, antes durante e depois do disparo, você deverá observar que o acionamento ocorreu sem interferir no arco de movimento e no alinhamento da figura de visada. Esse é o Tiro Certo!
Como estamos executando o acionamento, ainda de forma consciente pela atenção dividida com a figura de visada, é natural que ocorram pequenas “interrupções” no processamento da ação, fruto da crítica natural da observação consciente do movimento. Não há como evitar isso, pois são nessas interrupções que o SNC executa as correções do movimento, caso ele esteja apresentando alguma disparidade com o modelo mental proposto. A coisa funciona mais ou menos como “equilibrar dois pratos girando”: um prato é o alinhamento da figura de visada e o outro é a flexão correta do dedo indicador. Lembre-se de que você está aprendendo o movimento!
Após entender os exercícios, podemos enfim montar o nosso programa de treinamento. Isso será visto na próxima parte