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Mushin (Não pensar em nada - Mente Vazia)

Mu (vazia) shin (mente)

"Não se pensa em nada de definido, quando nada se projeta, aspira, deseja ou espera, e que não se aponta em nenhuma direção determinada e, não obstante, pela plenitude da sua energia, se sabe que é capaz do possível e do impssível...esse estado, fundamentelmente livre de intenção e do eu, é o que o Mestre chama de espiritual."

Herrigel - A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen.

Sabedoria Chinesa

Quando um arqueiro atira sem alvo nem mira, está na originalidade de sua realização de atirador.

Quando atira para ganhar, instala-se em sua realidade uma cisão entre atirar e ganhar. E já fica nervoso.

Quando atira por um prêmio, fica cego.
Pela cisão vê ao mesmo tempo dois alvos.
Sua realidade é a mesma, mas as divisões o cindem.
Ele se pre-ocupa mais em ganhar do que atirar.
Vê mais o prêmio do que o alvo.

A necessidade de vencer lhe esgota a força de identidade!


Chuang-tzu - "Mestre Zhuang"
Filósofo taoísta chinês (369 a.c. / 286 a.c.)

13 julho 2008

Atitude de Competição

Nesse artigo, falarei sobre o treinamento e a atitude do atirador nas semanas que antecedem competições importantes como essas.

Sabemos que o sucesso só é alcançado com muita dedicação. A proporção é de 10% de inspiração para 90% de dedicação. Para ser um campeão não basta querer, tem que agir como se fosse, assumindo as responsabilidades do campeão, muito tempo antes do dia da competição. Somente a certeza do “dever cumprido” nos proporciona a tranqüilidade necessária para atingir o nosso melhor desempenho numa competição de alto nível.

Porém, ao se aproximar desse dia, alguns atiradores tendem a massacrar os seus treinamentos, dando centenas de tiros, na ânsia de acertar todos os detalhes técnicos do processo do disparo. Sem dúvida, os melhores atletas são os que mais treinam, pois só a prática possibilita desenvolver e fixar hábitos corretos. Porém, a prática massificada nas vésperas de uma competição, nunca é produtiva. Nessa fase, a qualidade é muito mais importante do que a quantidade.

No treinamento pré-competição é fundamental que o atirador consiga controlar a sua ansiedade, mudando o seu foco, da técnica para a confiança. Deve desenvolver o comportamento ideal de prova, no lugar de investir todo o seu tempo e energia na busca incessante da perfeição técnica.

Durante a fase inicial do treinamento, concentramos nossa atenção na execução do disparo tecnicamente correto, numa atitude necessariamente crítica. Se a mantivermos durante os treinos pré-competição, tenderemos a ver o processo do disparo unicamente pelo prisma analítico.

Pra que possamos desenvolver a correta atitude de competição, é necessário compreender que existem dois tipos de abordagem durante o treinamento: a crítica, necessária ao desenvolvimento técnico, e a confiante, fundamental para manter o desempenho nos momentos de pressão.

Na abordagem crítica, o atirador analisa cada ação, comparando-a a um modelo mental pré-estabelecido, realizando as correções necessárias para reproduzi-lo; na confiante, o atirador simplesmente executa a ação. A crítica é muito consciente; a confiante permite o tiro fluir de forma quase inconsciente.

Na abordagem crítica vivenciamos e preparamos nosso “atirador executor”, enquanto na abordagem confiante vivenciamos nosso “atirador competidor”. O “competidor” é responsável por aprontar e liberar o “executor”, sem interferir no seu trabalho nem criticar o seu desempenho. Após prepará-lo, simplesmente o assiste em ação, dentro do que ele foi treinado para fazer, tiro a tiro. Dessa forma, tem autonomia apenas para interrompê-lo.

Ambas têm lugar no treinamento do atirador. A crítica é fundamental para melhorar a técnica e corrigir possíveis imperfeições do processo. Mesmo os melhores atiradores necessitam da abordagem crítica e a utilizam em boa parte do seu treinamento. A busca da excelência exige constante atenção na correta execução da rotina de preparação, no processo do disparo e na manutenção da disciplina mental. Ao detectar o menor problema, o atirador tem que isolá-lo e repará-lo, antes que o seu resultado se deteriore. Essa pró-atividade mantém a regularidade e é conseqüência da abordagem crítica.

Na abordagem crítica os atletas são muito exigentes em relação a si próprios. O tiro pode atingir o dez, mas se não ocorreu totalmente como planejado, repetem o processo e permanecem insatisfeitos até que consigam executá-lo conforme o modelo mental definido.

Porém, a abordagem confiante é essencial na preparação do atirador para a competição. Você não irá confiar no seu disparo durante a competição se não tiver aprendido a confiar nele durante os treinamentos. O que irá ocorrer na competição não pode ser uma novidade para o atirador.

É muito difícil passar todo o tempo treinando com uma abordagem crítica, e passar para a confiante, momentos antes da competição. Nós, seres humanos, estamos sujeitos ao hábito. Os atiradores que passam a maior parte do tempo treinando com uma abordagem crítica adotam inconscientemente essa abordagem no momento que ela é mais prejudicial: nas competições. Eles começam a pensar de forma analítica e crítica, perdendo a confiança no seu processo de disparo.

Como a abordagem dominante é aquela que o atirador passa a maior parte do tempo treinando, nessa fase que antecede uma competição, faz-se necessário incrementar a abordagem confiante no seu treinamento.

Isso irá exigir que o atirador pare de se preocupar com detalhes técnicos. É muito comum, após dois disparos ruins seguidos, ver-se imediatamente tentado a avaliar e a criticar a técnica do processo, buscando o ponto que levou ao erro e experimentando algum tipo de mudança para corrigir o defeito. Se não aprender a resistir a essa tentação, seu tempo de treinamento será dedicado unicamente a “experimentos”. Além de não assumir a abordagem confiante, nunca realizará todo o seu potencial.

O antídoto dos tiros ruins é a correta preparação do “executor”. Independente do resultado do disparo, o atirador tem que retomar o processo e voltar sua atenção para o presente. Esse foco no “tiro presente” exige disciplina mental e é a essência da abordagem “confiante”.

No meu entender, devemos executar nos períodos pré-competitivos, de 70 a 90% dos disparos com a abordagem confiante, chegando a 100% na semana anterior ao evento, buscando pensar da forma que melhor funciona durante a competição: confiança e decisão.

Isso se aplica também no período de preparação e na série de ensaio da competição. Nesse caso, o atirador deve utilizar a abordagem confiante desde o primeiro disparo em seco. Se em algum momento ele se permitir retornar à abordagem crítica, tentando corrigir alguma falha técnica, terá muita dificuldade para passar à abordagem confiante ao iniciar a prova. Uma dica pessoal: deixe de observar um ou dois tiros por série, evitando computar somas durante a prova.

Finalmente vamos falar da atitude positiva. “Atitude positiva mais treinamento correto, igual a sucesso na competição”. Aqui cabe esclarecer que, sucesso na competição não significa primeiro lugar. Pode nem mesmo significar uma medalha. Sucesso é você atingir a meta projetada para o evento, em congruência com o seu momento técnico atual. Um bom exemplo é estar entre os vinte melhores atiradores da Copa Mundial.

Assim, atitude positiva é você acreditar nas suas possibilidades de vitória. Acreditar que você pode fazer o que se propõe, consciente das suas limitações, mas confiante na preparação adequada e responsável do seu “executor”.

O objetivo máximo de todo atirador tem que ser bater o recorde mundial da sua prova. É para isso que ele irá trabalhar na sua carreira como atleta. Mas hoje, na competição que se aproxima, ele tem que estar consciente do seu real potencial, evitando criar expectativas impossíveis de serem atingidas, nem se contentar com um desempenho abaixo das suas possibilidades. O ideal é sempre pensar em fazer um resultado ou obter uma classificação ambiciosa, respeitando o seu nível técnico atual. Seu pensamento tem que ser: fazer o melhor que eu posso no momento, preparando e executando cada disparo como se fosse único.

Mas como manter a atitude correta durante toda a competição, sem se deixar influenciar pelos bons e maus momentos da prova? Como encarar a competição com a mesma naturalidade de um bom treino? Como obter na competição, um desempenho igual ou superior a dos treinos? Como superar a tensão inicial da prova, transformando-a em motivação para o seu melhor resultado?

Existe uma técnica que consiste em usar a imaginação para enganar a mente e o corpo, para que reajam a uma situação crítica como se fosse familiar, segura e confiável. É uma forma de “devaneio consciente dirigido”.

O atirador simula mentalmente a experiência de atingir uma meta: seja vencer a prova, alcançar uma pontuação desejada, ou mesmo a quebra de um recorde. Se tiver sucesso, poderá convencer sua mente e seu corpo de que a experiência realmente aconteceu. Mais tarde, quando em uma competição se aproximar da meta visualizada, não se sentirá nervoso nem desorientado. Em vez disso, terá a sensação de “déjá vu”; a sensação reconfortante de que já esteve nessa situação e se saiu muito bem!

É importante imaginar a experiência com o maior realismo possível, levando ao cérebro todas as mensagens sensoriais que iriam bombardeá-lo se estivesse participando com sucesso, da competição alvo e executando os últimos disparos da prova com chances de conquistar sua meta ambiciosa. Precisa sentir o cheiro da pólvora, ouvir o burburinho da platéia, sentir a presença das câmeras de TV atrás do seu posto, o suor na testa, o frio no estômago, ou seja, “viver” a cena como se real fosse, com todos os seus sensores sintonizados no acontecimento. Deve imaginar uma seqüência de tiros ótimos, e você se mantendo firme, aceitando o sucesso com naturalidade. Deve imaginar também que nem todos os disparos saem perfeitos, mas mesmo assim você mantém a confiança e a tranqüilidade, executando cada disparo como se fosse único.

Se a meta é fazer “x” pontos, imagine-se fazendo “x+5”. Simule todas as experiências sensoriais. Imagine-se calmamente preparando o último disparo, após uma prova excelente, recusando-se a se perturbar. Mantendo a rotina e o plano de prova até o último disparo. Cada tiro como se fosse único.

Essa técnica é muito útil para os atiradores que têm dificuldade em sustentar o ritmo de competição após uma série de bons disparos. É muito comum, após dois ou três centros, o atirador relaxar na preparação, gerando uma execução inadequada, tendo quase sempre como conseqüência um tiro ruim. Alguns são incapazes de aproveitar um bom começo de prova para conquistar uma pontuação realmente boa. Não se consideram capazes de fazer um bom resultado. Quando conseguem uma seqüência de disparos bons, acreditam inconscientemente que atingiram o seu limite. Passam a aguardar que algo errado aconteça. Começam “conscientemente” a pensar num tiro ruim! É o medo do sucesso. Passam a atirar defensivamente, atrapalhando o bom desempenho do “executor”.

Quando esse atirador educa sua mente para aceitar como possíveis contagens realmente altas, supera esse bloqueio, mantendo-se concentrado com mais facilidade, continuando a disparar com segurança e fazendo tiros ainda melhores, mesmo após um bom começo de prova.

Essa técnica só funciona quando utilizada com convicção. É necessário que o atirador imagine a situação em todos os seus detalhes, da mesma forma que um escritor torna a cena realista para o leitor, pela descrição das experiências sensoriais dos seus personagens.

Não é mágica e nem garantia de medalha de ouro. Porém, se executada com confiança é a garantia da sua vitória. Se sua preparação física e técnica foi responsável, e seu estágio de desenvolvimento é compatível com a aspiração do 1° lugar, então inclua na sua visualização, além da série de final, você no podium, ouvindo o Hino Nacional e recebendo a medalha de ouro. Mas lembre-se, veja esta cena não de fora, como um filme, e sim como se tivesse assistindo de dentro da sua mente, através dos seus olhos. E diga para você mesmo: eu posso, eu trabalhei para isso, esse é o meu objetivo, eu consegui!

Na semana que antecede uma competição importante, experimente toda noite ao se deitar, fechar os olhos, relaxar, e usar essa técnica antes de dormir. Se não ajudar, pelo menos será melhor do que ficar andando pelo quarto se preocupando com o que vai acontecer no dia da prova ou buscando desculpas para um mal resultado.

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