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Mushin (Não pensar em nada - Mente Vazia)

Mu (vazia) shin (mente)

"Não se pensa em nada de definido, quando nada se projeta, aspira, deseja ou espera, e que não se aponta em nenhuma direção determinada e, não obstante, pela plenitude da sua energia, se sabe que é capaz do possível e do impssível...esse estado, fundamentelmente livre de intenção e do eu, é o que o Mestre chama de espiritual."

Herrigel - A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen.

Sabedoria Chinesa

Quando um arqueiro atira sem alvo nem mira, está na originalidade de sua realização de atirador.

Quando atira para ganhar, instala-se em sua realidade uma cisão entre atirar e ganhar. E já fica nervoso.

Quando atira por um prêmio, fica cego.
Pela cisão vê ao mesmo tempo dois alvos.
Sua realidade é a mesma, mas as divisões o cindem.
Ele se pre-ocupa mais em ganhar do que atirar.
Vê mais o prêmio do que o alvo.

A necessidade de vencer lhe esgota a força de identidade!


Chuang-tzu - "Mestre Zhuang"
Filósofo taoísta chinês (369 a.c. / 286 a.c.)

31 julho 2008

Psicologia do Esporte

“Aquele que pode ver o invisível pode fazer o
impossível”

Frank L. Gaines


Esse é o meu primeiro artigo no blog, por isso vou começar escrevendo sobre o que é a psicologia do esporte, afinal quando se fala em Psicologia ou em psicólogo, a primeira coisa que a maioria das pessoas pensa é em “problemas”, sejam problemas de comportamento, emocionais ou intelectuais.

Na realidade, esta situação ocorre porque quase todo o esforço de pesquisas e contribuições da Psicologia durante mais de um século esteve focado em neuroses, psicoses, depressões e outras situações referentes às desconformidades psicológicas.

Surgida em 1920, a Psicologia do Esporte é uma área específica das Ciências do Esporte onde seus primeiros laboratórios e institutos apareceram na antiga União Soviética, EUA, Japão e Alemanha. Na América Latina teve início em 1970 e em 1979 foi fundada no Brasil a SOBRAPE – Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte.

A proposta da Psicologia Esportiva já é reconhecida e utilizada em diferentes modalidades esportivas, mas encontramos maior número de trabalhos e registros com relação a preparação mental em esportes individuais.

Para que este trabalho seja realizado como um procedimento comum ao treinamento e utilizado como uma ferramenta a mais no condicionamento de atletas e equipes, é necessária uma consciência do benefício destas práticas na performance e na obtenção dos resultados. Quando isso acontece, é o próprio atleta que passa a solicitar e incrementar seus programas de treinamento, buscando incluir exercícios e técnicas mentais não só no seu dia a dia de trabalho, como em sua vida de uma maneira geral.

O Psicólogo do Esporte não é um clínico e sim ensina recursos para o atleta explorar ao máximo sua habilidade esportiva e com isso aprender a lidar com as diversas emoções e sentimentos que ocorrem numa competição. O psicólogo do esporte dá assessoria ao técnico, atletas e comissão técnica.

Só se prepara o corpo na véspera da competição?
Não!
O emocional também não!

É certa a necessidade da preparação mental para o bom desempenho da prática esportiva. Saber ganhar e perder têm sido um dos grandes desafios daqueles que escolheram viver constantemente a competição.

Através do treinamento mental o psicólogo age diretamente junto ao atleta no sentido de passar-lhe recursos que justamente venham a ajudá-lo nos processos e estados psíquicos relacionados à prática esportiva, tais como: percepção, ansiedade, motivação, autoconfiança, concentração.

Os métodos do treinamento mental devem estar adaptados às necessidades pessoais do atleta/ esportista. Nenhum exercício é bom ou ruim, ele deve estar adequado à personalidade e condição atual da pessoa. A compreensão de um exercício leva a confiança da sua utilidade, por conseguinte à sua prática. Ao passo que as dúvidas e inseguranças predispõem o treinamento mental ao fracasso.

No Brasil, a inclusão de técnicas e exercícios mentais no treinamento de atletas, principalmente naqueles de alta performance, vem crescendo ano a ano e a tendência natural, assim como aconteceu com a preparação física, é que este trabalho faça parte dos programas de treinamento de diferentes atletas e equipes brasileiras.

Considerando os altos níveis de competitividade que caracterizam os torneios e competições, atualmente é fundamental aproveitarmos as incríveis e fantásticas descobertas sobre o cérebro humano para aumentar nossas janelas de oportunidades em direção as conquistas e vitórias nos esportes e na vida. Sendo assim, a preparação mental passa a ter grande importância nessa área, especialmente, em relação ao real significado de cada vitória conquistada.

O treinamento mental é um trabalho dirigido ao condicionamento tanto da mente que pensa (mais racional, lógica e estratégica) como da mente que se sente (sede das nossas emoções). É utilizado principalmente, para incrementar a performance de atletas e se baseia, principalmente, no princípio de que podemos exercer um domínio maior dos nossos pensamentos, dos sentimentos e, consequentemente, do nosso comportamento. Com isso alcançar um melhor nível de motivação, autoconfiança, compromisso para treinar, limites da dor e sofrimento, cansaço, ansiedade e dos impulsos explosivos a raiva, passa a ser uma estratégia cuidadosamente administrada em direção aos resultados previamente estabelecidos.

Atletas que dominam essas habilidades podem recriar emoções em suas mente e assim, incrementar as suas performances. Essas práticas são utilizadas até hoje, como um “algo mais”, um diferencial competitivo em diferentes momentos da competição.

“O corpo tem os seus limites naturais, mas o potencial mental é ilimitado.”
Os treinamentos técnico, físico e mental fazem parte da vida de um atleta.


Anna Paula Rocha Maia
anna.paula.fernandes@terra.com.br

13 julho 2008

Treinar em Seco

Antes de começar o artigo, tenho que pedir desculpas aos que acompanham essa coluna, pelo tempo ausente. Mas o motivo é justo. Comecei a faculdade de Psicologia no período da manhã, justamente no horário em que eu me dedicava à elaboração dos artigos.

Vamos então ao que interessa:

Em 1977, eu me formei na Escola Naval em Engenharia Mecânica e Bacharel em Ciências do Mar. Minha viagem de Guarda Marinha (GM) foi em 1978, saindo do Rio de Janeiro no início do ano e retornando em agosto, após visitar vários países da Europa e alguns da África. Essa viagem compõe o último ano de formação do Oficial de Marinha.

1978 era também o ano do Mundial de Tiro Esportivo, que seria realizado em Seul, na Coréia do Sul.

Naquela época, a então CBTA (Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo) realizava TTSS (Torneios Seletivos) cuja soma dos resultados compunham o ranking para definir a equipe brasileira para as competições internacionais. Os torneios seletivos eram feitos simultaneamente nas três regiões esportivas: Norte-Nordeste, Centro-Brasileira e Sul-Brasileira, sob a fiscalização de um dirigente designado pela CBTA.

O TS1, realizado em janeiro, serviu como seletiva para o VII Torneio Internacional de Tiro Benito Juarez. Nesse Benito, na prova de Pistola Livre, fiquei em 3º lugar, com 548 pontos, e a equipe em 2º lugar (Eu, Paulo Lamego, Dirceu Eloy e Bertino Souza).

Começamos bem o ano!

Voltei ao Brasil e embarquei para a viagem de GM.

Para minha felicidade, o NE Custódio de Melo (Navio Escola) atracou em Recife justamente no final de semana do TS2. Recife era o último porto nacional da viagem e local sede dos TTSS da região Norte-Nordeste. A prova foi no Caxangá Golf e Country Club. Fiz 552 pontos, ultrapassando o índice de 550 pontos estabelecido pela CBTA para o Mundial e garanti, em parte, a minha participação.

Em parte, porque durante os cinco meses seguintes, enquanto eu cumpriria a árdua tarefa de conhecer a Europa de navio, a CBTA realizou mais dois TTSS, dos quais logicamente não pude comparecer. Minha soma no ranking ficou então com dois resultados a menos, porém com o índice alcançado.

Aprendi cedo com o Professor Hermógenes (Filosofia no CMRJ) que quando queremos muito uma coisa, basta clarificar o objetivo, não ter nenhuma dúvida de que o alcançaremos e, como nem tudo é inspiração, trabalhar duro, dedicando 110% das nossas energias para conquistá-lo.

Para tal, basta utilizar a seguinte técnica: antes de tomar qualquer decisão, pergunte-se se o que irá fazer lhe afasta ou lhe aproxima do seu objetivo? Aproxima, então faça. Afasta, então não faça. Simples, muito simples, mas infalível.

Eu queria muito ir ao Mundial, e tinha como meta ficar entre os 30 primeiros colocados.

Ser convocado não dependia mais de mim, mas ficar entre os 30 primeiros, só dependia de mim, ou seja, dependia de me manter treinado durante os próximos cinco meses, dos quais 70% do tempo eu estaria em alto mar, balançando e sem poder dar um tiro real. Como nos portos do exterior não havia como atirar, o treino para o Mundial seria 100% em seco. Ou seja, cinco meses treinando em seco. Em seco e balançando!

Para reduzir o efeito do balanço, montei o meu centro de treinamento físico e técnico num compartimento no centro do navio, o mais próximo da quilha (se você não entendeu nada, não tem problema, basta saber que é o lugar onde o jogo do navio é menor).

Como acessório de treinamento, só um espelho mais ou menos da minha altura, para me ver correndo e atirando, e quatro paredes brancas. Não sei o que era mais difícil, se treinar em seco por duas horas ou correr quarenta minutos no mesmo lugar. Isso, todo dia, durante 150 dias. Ou melhor, 120 dias, abatendo os 30 dias de porto.

O treino consistia nos seguintes exercícios: posição interior, acionamento de olhos fechados, estática na cruz e muito tiro em seco na parede branca, incluindo também provas inteiras em seco, cantando tiro a tiro e registrando o valor para computar o resultado final dos 60 tiros de prova.

Quando corria, imaginava no espelho a paisagem que eu queria, criando-a na mente e refletindo-a no espelho. Dessa forma o exercício não se tornava monótono, pois eu nunca corria no mesmo lugar. A coisa só complicava quando o mar ficava bravo e o chão subia e descia, junto com o estômago.

As provas em seco serviam para treinar a atitude de competição, cantando tiro a tiro, e representando na minha mente toda a realidade competitiva: passando por bons e maus momentos, lidando com tiros bons e ruins, mantendo e perdendo a concentração, desviando e retomando a atenção na técnica, ou seja, tudo o que de fato ocorre numa prova de Pistola Livre. Por diversas vezes, fiz em seco a prova do Mundial, dos Benitos, das Copas Latinas, dos Jogos Pan-Americanos e Olímpicos.

O retiro no cubículo de treino serviu para criar o hábito da introspecção, me isolando totalmente do mundo exterior.

O balanço serviu para gerar uma capacidade de manter a estabilidade mesmo com o corpo “jogando”, e o mais interessante, criar um ritmo de tiro regido pelo ciclo das ondas. Interrompendo o processo, aguardando o momento adequado para iniciá-lo, mais ou menos como acontece quando há vento e temos que aguardar a bandeirola acalmar. Como treino físico, acho que foi muito bom também.

Os aspectos mais importantes e positivos desse treinamento foram os seguintes:

Desenvolver a capacidade de manter 100% de atenção na execução técnica do fundamento treinado e/ou do disparo.
Total abstração, durante a execução do processo, do resultado numérico do disparo.
Realizar um extraordinário exercício de disciplina mental em suportar o treinamento isolado e em seco.
Desenvolvimento da capacidade de criar realidades positivas, tanto na corrida quanto nas provas em seco.
O desenvolvimento de um ótimo relacionamento com meu “técnico interior”, fundamental no nosso esporte, conseguido pelas conversas com ele nas muitas vezes que parei o treino para me auto-analisar e me auto-motivar.
Entender que o tiro real não tem nenhuma importância no treinamento, muito pelo contrário, na maioria das vezes atrapalha.

Julgo que dois aspectos me ajudaram muito: o fato de habitualmente já treinar muito em seco, mesmo quando tinha como atirar com munição real, e a aspiração de querer muito ir ao Mundial.

Quando regressei ao Rio, a CBTA já havia fechado a equipe, e, por não ter participado dos outros TTSS, eu não estava convocado. Mesmo porque, depois de cinco meses viajando pelo mundo, sem treinar, como eu iria competir?

Para minha sorte, eu tinha feito o índice, e nem todos os convocados na Pistola Livre o tinham alcançado. Com base nesse fato, argumentei e tive como resposta o seguinte desafio: faria no próximo final de semana uma prova extra, sozinho, no estande do Flamengo (campo neutro para mim, que treinava no FFC), observado pela comissão técnica. Se eu repetisse o índice, iria ao Mundial.

Dei um treino com tiros reais no sábado e fiz a prova no domingo, terminando com 553 pontos, resultado que me levou ao Mundial. Em Seul, fiz 548 pontos e fiquei em 24º lugar.

Essa passagem me demonstrou o quanto o treino em seco é importante, e mais, o quanto é importante na vida termos a capacidade de criarmos nossas realidades de sucesso. No nosso esporte, essa habilidade representa muito mais do que o treino físico e técnico. A atitude confiante é construída com base no trabalho realizado, mas a sua manutenção nos momentos de stress competitivo é 100% psicológico.

Nesse mundial, o Brasil, na prova de Pistola de Ar, ficou em 2º lugar por equipe (Paulo Lamego, Benevenuto Tilli, Wilson Scheidemantel e Bertino de Souza) e Paulo Lamego, com 388 pontos (a prova na época era de 40 tiros), ficou com o bronze individual.

Terminamos bem o ano!

Silvio Aguiar
silvio.aguiar@gmail.com


Sabedoria Chinesa

Lendo esta semana um texto do Professor Emanuel Carneiro Leão, extraído do seu livro “Aprendendo a Pensar- Vol I”, encontrei o seguinte pensamento do Filósofo Taoísta Chinês (369 a.C. / 286 a.C.) Chuang-tzu - "Mestre Zhuang":

“QUANDO UM ARQUEIRO ATIRA SEM ALVO NEM MIRA, ESTÁ NA ORIGINARIEDADE DE SUA REALIZAÇÃO DE ATIRADOR.QUANDO ATIRA PARA GANHAR, INSTALA-SE EM SUA REALIDADE UMA CISÃO ENTRE ATIRAR E GANHAR. E JÁ FICA NERVOSO.QUANDO ATIRA POR UM PRÊMIO, FICA CEGO.PELA CISÃO VÊ AO MESMO TEMPO DOIS ALVOS.SUA REALIDADE É A MESMA, MAS AS DIVISÕES O CINDEM.ELE SE PRE-OCUPA MAIS EM GANHAR DO QUE ATIRAR.VÊ MAIS O PRÊMIO DO QUE O ALVO.A NECESSIDADE DE VENCER LHE ESGOTA A FORÇA DE IDENTIDADE!”

Esse é o tipo de “achado” que não se guarda. Tem que ser imediatamente repassado.
Em poucas palavras Chuang-tzu relatou o que muitos não conseguiram em milhares de páginas escritas sobre o nosso esporte. Recomendo a todos que façam do texto um quadro e o pendurem num lugar especial onde possam lê-lo todos os dias.

Para melhor divulgá-lo, transcrevi o pensamento, sob o título “Sabedoria Chinesa”, na comunidade “Tiro Esportivo Olímpico” que mantemos no Orkut, e recebi o seguinte comentário do atirador Walter Dias, atleta do GTEN (excelente origem, diga-se de passagem) e medalha de bronze no último Campeonato Sul-Americano de Tiro Esportivo: “difícil é pensar nisso em uma competição...esquecer o 10 e atirar por prazer”.

Sem dúvida o pensamento do Walter deve ecoar na mente de muitos outros atiradores. Essa certeza me fez parar de estudar nesta noite de sábado, para redigir essa nota (não vale como artigo, eu sei), relatando a minha resposta para o Walter:

Atire pelo prazer de fazer o "DEZ"!
Mas o "DEZ" não é o centro do alvo. É o tiro tecnicamente certo.
A cada disparo, repasse mentalmente todo o processo e visualize a tarefa a ser executada: fazer o “DEZ”. Não o tiro no centro do alvo, mas o disparo “perfeito”, com a figura alça/massa alinhada na zona de visada, antes, durante e depois do disparo. Isso é o “DEZ”.
Não levante o seu braço antes de ter a convicção de “fazer o DEZ”.
O ponto só é obtido depois que o tiro chega ao alvo. É futuro. Realizar o tiro tecnicamente certo é uma seqüência de ações, concatenadas e realizadas no presente.
Se você divide sua mente (cisão) entre o presente e o futuro, perde parte da sua “força de identidade” com o processo.
Se você concentra sua atenção só no futuro, no "10" resultado, esgota a sua “força de identidade” com o processo.
Para garantir o “futuro” e o “passado”, mantenha sua mente consciente, sua atenção, 100% no “presente”.
Cada tiro um tiro.
Cada tiro um "DEZ"!

Alguma semelhança com o Jardim do Mário Quintana? (artigo “Rumo ao Centro”)
“O segredo não é correr atrás das borboletas...É cuidar do jardim para que elas venham até você.”
Sabedoria Brasileira!

Acompanhamento (Follow-through)

Acompanhamento, o último fundamento do processo do Tiro Certo é na realidade, a tomada e a manutenção da atitude correta de execução do processo.

A palavra em inglês utilizada para denominar esse fundamento define melhor o seu significado: follow-through, onde “follow” representa acompanhamento, e “through” representa sem interrupção, ou seja, até o fim.

Dessa forma, usaremos o termo em inglês, e para não ter que reescrevê-lo várias vezes no decorrer do artigo, empregarei no seu lugar a sigla FT.

A expressão “acompanhar” pressupõe manter nossa mente consciente atenta à (ocupada com a) ação em andamento, sincronizando corpo e mente, ou seja, mantendo uma atitude mental de total atenção ao processo em execução.

Antes de prosseguir, devo lembrar que vivenciamos dois estados de atenção: a atenção voltada para o aprendizado e treinamento (atenção crítica), e a atenção voltada à realização confiante da habilidade motora treinada (atenção confiante).

Se você leu o artigo “Atitude de Competição”, deve se lembrar que distinguimos, da mesma forma, a abordagem de aprendizado e treinamento como sendo crítica, e a abordagem de competição como sendo confiante.

Transcrevo aqui dois parágrafos desse artigo:

Na abordagem crítica, o atirador analisa cada ação, comparando-a a um modelo mental pré-estabelecido, realizando as correções necessárias para reproduzi-lo; na confiante, o atirador simplesmente executa a ação. A crítica é muito consciente; a confiante permite o tiro fluir de forma quase inconsciente.

Na abordagem crítica vivenciamos e preparamos nosso “atirador executor”, enquanto na abordagem confiante vivenciamos nosso “atirador competidor”. O “competidor” é responsável por aprontar e liberar o “executor”, sem interferir no seu trabalho nem criticar o seu desempenho. Após prepará-lo, simplesmente o assiste em ação, dentro do que ele foi treinado para fazer, tiro a tiro. Dessa forma, tem autonomia apenas para interrompê-lo.

Assim, o FT em ambas as situações, mantém sua essência, alterando sua forma de acordo com o momento vivido. Hora crítica, hora confiante.

Quando aprendemos ou treinamos um fundamento, o FT é a atenção crítica sobre a realização do mesmo, possibilitando atingirmos e mantermos o estado mental ideal para o aprendizado e treinamento da habilidade motora.

Quando executamos o processo contínuo, o FT é a atitude de atenção confiante na preparação e na observação da execução do processo.

Entender essa diferença é fundamental para chegarmos ao estado ideal de fluência, ou seja, o nível de competência inconsciente que nos permite realizar 100% dos disparos como processos de “Tiro Certo”.

Conseqüentemente, o FT está diretamente ligado à disciplina e à atitude mental do atleta, seja durante os exercícios de treinamento, seja durante a realização de um teste pedagógico ou competição.

Durante um exercício de treinamento, acompanhar com toda a atenção sua execução do início ao fim é, a meu ver, mais fácil de compreender. Talvez, o que poucos têm consciência é que ao fazê-lo, estão exercitando também o FT.

A confusão ocorre quando se trata do FT no processo contínuo do disparo.

Nesse caso, na maioria das vezes é simplificado pela manutenção da atenção no alinhamento da figura alça/massa por um espaço de tempo após o disparo.

Isso leva o atleta a acreditar que basta manter-se atento à figura de visada para executar corretamente o FT. É um engano, ou melhor, um grande erro.

Você pode manter-se atento à figura e estar dividindo essa atenção com outros pensamentos, como por exemplo, o resultado do último disparo ou o resultado do disparo em andamento.

A atenção exclusiva na figura também pressupõe que o processo só se inicia no momento em que passamos a observá-la, o que também está errado.

Como falamos no início, o FT é na realidade, a atitude correta de execução do próprio processo do Tiro Certo. Ele começa no momento em que iniciamos a sua preparação e termina (agora sim), um momento após o disparo ocorrer.

Cabe lembrar que o Tiro Certo, por sua vez, é um processo contínuo, composto de habilidades motoras treinadas em separado, e executadas de maneira concatenada e inconsciente, porém sob a nossa observação e aprovação.

Portanto, falar do FT é falar do processo do Tiro Certo como um todo, o qual reúne posição, empunhadura, respiração, visada e acionamento, em uma ação única, contínua e inconsciente.

Sei que não é fácil para o iniciante compreender a essência do FT, pois só irá percebê-lo em sua plenitude ao atingir o estado de competência inconsciente.

Mas, desde o início, o FT pode e deve ser treinado, pois só assim irá se tornar futuramente um hábito.

Como vimos no artigo “Primeiro aprender, depois Treinar”, a distração é a causa principal, tanto dos erros de aprendizagem como do desenvolvimento de hábitos incorretos. Não há como aprender uma habilidade motora sem dispensar à sua preparação e execução, 100% da nossa atenção.

Deste modo, já no aprendizado de cada fundamento treinamos o FT, mantendo 100% da atenção no que se está realizando.

Nessa fase, o FT começa na preparação do modelo mental da habilidade em aprendizado, continua na execução da mesma, e se prolonga durante a comparação da ação executada com o referido modelo, possibilitando a retro-alimentação e correção oportuna da sua execução.

A manutenção do nível de qualidade da atenção na fase de aprendizado, não só garante a qualidade do hábito desenvolvido, como reduz em muito o tempo de aprendizado. Essa redução nos permite iniciar antecipadamente também a fase de treinamento, e conseqüentemente, atingir desempenhos de alto rendimento em menor espaço de tempo.

Mas, e a tal atenção na figura da alça/massa, o que tem a ver com o FT?

No artigo sobre “Visada”, vimos que:

“Manter, durante todo o processo do disparo, a figura da alça/massa alinhada dentro da zona de visada, garante um agrupamento de impactos no alvo proporcional à amplitude do seu arco de movimento, desde que não cometa erros de acionamento.”

A figura alça/massa funciona, a partir do momento que passamos a observá-la, como o “monitor” do processo Tiro Certo. Ocupando 100% da nossa mente consciente, a observação da sua imagem possibilita não só executar os demais fundamentos de forma inconsciente como impede o assédio de pensamentos inoportunos.

Chamo-a de “monitor do processo” porque é através da sua imagem que assistimos sua correta execução, e da mesma forma, quando algum fundamento apresenta “erro de execução”, é também através da sua imagem que somos alertados para interromper o processo, refugando o disparo.

E o que é então o FT até esse momento em que passamos a atenção para a figura alça/massa?

Como foi dito, é a atitude de total atenção que assumimos já na preparação para a execução do processo. No momento em que iniciamos nossa “lista de verificação”, simultaneamente à rotina respiratória, a adoção do tônus muscular adequado (posição interior), o acerto da empunhadura (posicionamento da mão e pressão), a colocação acertada do dedo sobre a tecla do gatilho, ativando a firmeza do pulso, repassando mentalmente (se possível fisicamente) a flexão correta do dedo indicador, na definição clara da tarefa a ser executada (alça e massa alinhada antes, durante e depois do disparo), na produção do estado de confiança e certeza na capacidade de executá-la.

Ele se inicia na “preparação para decolagem” e prossegue:

Com a certeza absoluta de que faremos um Tiro Certo, elevamos o braço acima do alvo, enquanto respiramos normalmente. A subida deve ser natural, mas mantendo a firmeza do pulso e a pressão da empunhadura. Ao chegar ao ponto alto do movimento, aguarda-se por um instante o corpo estabilizar enquanto alinhamos a figura alça/massa. Sem perder o ritmo natural da respiração, abaixa-se o braço, “pousando” a figura alça/massa na zona de visada, num movimento reto, natural e firme como o de subida.

Cabe lembrar que a chegada à zona de visada deve coincidir com uma expiração, que a partir desse ponto é interrompida ou mantida laminar, até o final do processo.

Com a figura na zona de visada, assistimos a diminuição do arco de movimento, enquanto que de forma inconsciente, o dedo indicador aumenta independente e continuamente sua força sobre a tecla do gatilho, na forma que foi treinado.

Sem interferir, assistimos ao Tiro Certo, mantendo apenas nossa atitude de total atenção antes, durante e depois do disparo.

O Tiro Certo, quando executamos de forma correta o Follow-through, não é realizado, é assistido, dando-nos a certeza que algo especial ocorreu.

Respiração

No nosso esporte, o fundamento respiração passa quase sempre despercebido dos atiradores. Talvez por se tratar de uma atividade natural do nosso organismo, é visto pela maioria como o fundamento de fácil execução.

Porém, devido à importância da adequada oxigenação do nosso organismo (e, por conseguinte do SNC) na execução de qualquer ação motora, a desatenção à respiração ocasiona grandes prejuízos no desempenho dos atletas do tiro esportivo.

Sua relevância começa na preparação para o exercício e transcende às necessidades próprias da atividade de disparar, indo muito além da forma correta de respirar durante a execução do processo.

O nosso primeiro passo será aprender a técnica correta de respirar.

Em todos os livros sobre meditação ou concentração encontramos capítulos especiais sobre a importância da respiração na obtenção dos estados de relaxamento corporal e tranqüilidade psíquica. As técnicas ou habilidades para cultivar um “talento interior” baseiam-se primordialmente na “observação da respiração”.

Normalmente, respiramos utilizando a musculatura do peito, que além de transferir muito menos oxigênio para o organismo, provoca tensões musculares desnecessárias.

Para respirarmos corretamente, devemos inspirar e expirar pelo nariz, utilizando o diafragma, ou seja, os músculos do abdômen inferior, como um fole que infla e esvazia os pulmões, dando-nos a sensação de enchermos o nosso estômago de ar. Esse modo de respirar propicia uma maior oxigenação das paredes pulmonares, produzindo consequentemente uma melhor oxigenação do nosso organismo.

No estande, já na fase de preparação (alongamento e aquecimento), utilizamo-nos da respiração para criar o estado ótimo emocional. Observando-a, alcançamos gradativamente o estado adequado para a prática do tiro esportivo.

No posto de tiro, encontramos na respiração, o caminho apropriado para manter-nos atentos à nossa lista de tarefas, impedindo que algum detalhe da sua organização seja esquecido.

Além disso, a manutenção da atenção nas ações de preparação do posto nos permite afastar pensamentos impróprios, principalmente aqueles que minam a confiança na nossa capacidade de realizar.

Posto arrumado, o atleta passa a preparar o corpo e a mente para execução do “ritual” do disparo. Mais uma vez, a respiração é a base para manter o ritmo adequado e o estado de concentração necessário à conservação da atenção no presente.

Durante o disparo, inspira ao erguer o braço e expira enquanto leva a figura alça/massa para a zona de visada. A partir desse momento o atleta se desliga da respiração, dirigindo toda a sua atenção para o alinhamento da figura alça/massa, passando a respirar de forma laminar.

Assim, durante um largo período executando a respiração superficial, reduzimos progressivamente a qualidade da oxigenação do organismo. Essa prática, muito comum até em atletas experimentados, resulta numa insuficiência crônica de oxigênio no organismo, afetando as funções controladas pelo SNC, em especial a acuidade visual, a atenção, o tônus muscular, a manutenção do arco de movimento, o equilíbrio e a estabilidade da posição.

Não é difícil concluir que a baixa oxigenação do organismo prejudica de forma direta o desempenho do atleta de tiro esportivo.

Para não cair na sorrateira armadilha da insuficiência de oxigênio, antes de cada levantada do braço, devem-se produzir no mínimo dois ciclos de respiração abdominal. Essa prática, além de garantir a oxigenação, reproduz o estado de tranqüilidade e de concentração. Ao passar a atenção para o ciclo respiratório, o atleta descansa a mente, reduz o gasto de “energia mental” e evita o assédio de pensamentos indesejados.

Durante o processo de disparo propriamente dito, a respiração entra como um dos fundamentos, sendo executada em sincronia com o movimento da arma até a zona de visada. Ao levantarmos o braço, executamos uma inspiração. Ao iniciarmos a descida para a zona de visada (ou seja, o “repouso” da figura alinhada na zona de visada), expiramos lentamente e trancamos ou não a respiração ao atingi-la.

Cabe lembrar, que ao final da expiração, temos maior facilidade em manter a estabilidade e a imobilidade do conjunto arma/atirador, por ser um momento em que todo o corpo experimenta uma natural quietude. Além disso, a caixa torácica esvaziada minimiza para o resto do corpo a transmissão dos movimentos de bombeamento executados pelo coração. Ao contrário, com os pulmões cheios, pode-se perceber o batimento cardíaco na ponta da arma.

A quantidade de ar que devemos manter nos pulmões não é relevante, e não deve ser uma preocupação do atleta. Ninguém melhor do que o nosso cérebro para calcular esse volume.

O importante é sabermos que após um determinado tempo, o organismo motivado pelo acúmulo de CO2 resultante das oxidações celulares, solicitará uma nova inspiração. O CO2 acumulado é trocado nos pulmões pelo O2 do ar inspirado, sendo em seguida eliminado pela expiração.

Podemos então concluir que o tempo ideal para execução do disparo é inferior ao tempo de saturação da taxa de CO2 do organismo do atleta.

Felizmente, antes de atingirmos o nível limite de CO2, o SNC envia-nos uma informação de “alarme de tempo excedido” que deve ser imediatamente atendido com a suspensão do processo, ou seja, “refugando” o tiro. Esse alarme é percebido (sucedido) pelo aumento do arco de movimento, pela desatenção à figura da massa/alça e pela perda da acuidade visual, impossibilitando a manutenção da imagem alinhada do aparelho de pontaria.

Como já mencionamos em artigos anteriores, o não atendimento ao alarme de “tempo excedido” é imediatamente contraposto pelo cérebro com a interrupção do acionamento, último recurso para impedir o desastre iminente.

Assim sendo, nas modalidades de precisão, o tempo ideal de disparo do atleta é regulado pela neuromecânica da respiração, e o não atendimento aos sinais fisiológicos do alarme é a principal causa dos impactos fora do agrupamento.

Na modalidade de Tiro Rápido, nas séries rápidas da Pistola Standard e no duelo do Fogo Central e da Pistola Sport, “refugar o disparo” não é possível. Nesses casos, a rotina preparatória deve incluir obrigatoriamente a prévia ventilação dos pulmões e o sincronismo da respiração com os movimentos que antecedem a abertura do alvo (ou o acender da luz verde). Porém, por serem efetuados em tempos curtos, os processos de disparo felizmente sempre terminarão antes da necessidade orgânica de uma recarga de oxigênio.

Visada


Para se lançar um projétil contra um determinado alvo, independente do tipo de equipamento (arma) que se utilize, a técnica é simples: orientar o equipamento (arma) para o alvo e acionar o “gatilho” sem alterar essa orientação.

Para realizar essa tarefa com maior precisão, criou-se o “aparelho de pontaria”, que no nosso caso é composto da alça de mira e da massa de mira.

Alinhar a figura alça e massa, ou seja, montar a figura de visada é muito simples, porém mantê-la alinhada enquanto se aciona o gatilho é uma tarefa mais difícil, e é imprescindível para atingirmos nosso objetivo principal: agrupar os impactos no centro do alvo.

Cabe lembrar, que é essencial que a sua empunhadura física esteja pronta, possibilitando o alinhamento fácil e natural da figura alça/massa (ver artigo sobre empunhadura).

Também é pré-requisito ter desenvolvido a capacidade de sustentar a arma, na altura (posição) de disparo, pelo período necessário à execução do processo. Essa capacidade é obtida através da melhora do preparo físico (geral e especial) e da execução do exercício de posição interior (ver artigo sobre posição).

Portanto, alinhar e principalmente manter da figura de visada, só é possível após o atleta ter adquirido a capacidade de posicionar e manter, o conjunto atirador/arma alinhado com o alvo. Como vimos anteriormente, isso irá requerer: posição exterior correta, posição interior desenvolvida e empunhadura física acertada.


Antes de prosseguir, vamos relembrar alguns conceitos sobre a visada:

Linha de Visada é a linha reta que liga: o olho do atirador, a alça, a massa e o alvo.
A figura alça/massa deve ser montada posicionando a massa no centro do entalhe da alça (mantendo a mesma quantidade de luz de cada lado da massa) e o topo da massa na mesma linha horizontal (altura) das bordas superiores horizontais da alça.
Zona de Visada é a área (imaginária) branca circular abaixo da zona preta do alvo de precisão, local onde posicionamos a figura alça/massa. O fundo branco facilita o alinhamento, já que tanto a alça quanto a massa são pretas.
Como o nosso aparelho ótico não consegue focar objetos em distâncias diferentes, apenas um dos três objetos deve ser escolhido para ser focado. No caso, a MASSA DE MIRA.
Quem usa lente corretora, deve utilizar óculos de tiro e uma lente que permita ver a massa de mira bem nítida.
A bola preta do alvo só serve para nos indicar a posição da zona de visada, e nunca, em momento algum, devemos focar o alvo.
Manter, durante todo o processo do disparo, a figura da alça/massa alinhada dentro da zona de visada, garante um agrupamento de impactos no alvo proporcional à amplitude do seu arco de movimento, desde que não cometa erros de acionamento.

Visto isso, vou arriscar um palpite: 99 % dos atiradores que estão lendo esse artigo iniciaram atirando em um alvo normal, tiro real, tentando montar a figura de visada com três elementos, alça/massa/alvo, e acionando o gatilho no momento em que os três objetos se alinhavam. Vou arriscar outro palpite: 90 % continuam “tentando” atirar assim.

Essa pequena diferença, do que compõe a figura de visada, “alça/massa” ou “alça/massa/alvo”, determina ter ou não sucesso como atleta do tiro esportivo. Tentar incluir o alvo na figura é o grande erro da maioria dos atiradores.

A razão é simples: ninguém, mesmo o mais treinado dos atiradores, possui um arco de movimento de amplitude zero. Portanto, obter essa figura por um instante é possível, porém, mantê-la durante o tempo necessário para a execução do disparo é impossível. É impossível e desnecessário.

Nossa tarefa, por conseguinte, ficou mais simples: basta manter a figura alça/massa alinhada, dentro da zona de visada, antes, durante e depois do disparo. Conseguindo isso, a amplitude do seu arco de movimento e a qualidade do seu acionamento determina o tamanho do agrupamento dos seus tiros, no alvo.

Vamos analisar então, quais são os requisitos para se cumprir essa tarefa e que exercícios devemos fazer para aprimorar nossa capacidade de realizá-la.

Em primeiro lugar, temos que desenvolver o hábito de eliminar a figura “alvo” da nossa “visada”. Isso é obtido de forma muito simples: usando alvo branco e/ou parede branca para treinar o fundamento “visada”, e sempre com tiro em seco. O tiro real mascara cerca de 40% dos erros do atirador, a maioria ocorrida nos últimos 0,4 segundos que antecedem a saída do projétil pela boca do cano.

Em segundo lugar, temos que acreditar que, mantendo a figura alça/massa alinhada, obter o nosso melhor agrupamento dependerá apenas da amplitude do nosso arco de movimento, desde que o processo ocorra dentro do nosso tempo ideal de disparo. Isso irá requerer uma sincronia perfeita das ações do disparo, ou seja, sincronizar a execução dos fundamentos do processo do disparo.

Em terceiro lugar, entender que a tarefa só termina um “instante” após completado o acionamento, e que durante todo o tempo de execução do processo temos que manter nossa “atitude de disparo”, ou seja, posição, empunhadura e atenção no alinhamento alça/massa. O disparo deve ser sempre uma surpresa para o atirador.

Os exercícios sugeridos são:

1º Exercício: levar a arma para a zona de visada, sem “armar” o mecanismo de disparo, e enquanto o arco de movimento estabiliza e durante mais alguns segundos (+/- 10 seg), apertar e soltar a tecla do gatilho, observando e trabalhando para que essa ação não altere o alinhamento alça/massa. Se a sua empunhadura física e técnica estiverem corretas, e a flexão do dedo indicador estiver sendo feita de forma independente dos demais músculos da mão, a figura de visada permanecerá alinhada durante o exercício.

2º Exercício: tiro em seco no alvo e/ou parede branca, executando o disparo em seco com a atenção dividida entre a execução correta do acionamento (ver artigo sobre o acionamento) e a manutenção do alinhamento da figura alça/massa, dentro da zona de visada (quando em alvo branco).

3º Exercício: idem ao 2º, mas com 100% da atenção na figura alça/massa alinhada dentro da zona de visada (quando em alvo branco). A tarefa é: executar o disparo sem perder em momento algum a atenção no alinhamento da alça/massa e o foco na massa.

Essa seqüência de exercícios deve ser feita após os exercícios de posição (exterior e interior) e de acionamento.
Posteriormente, falaremos um pouco mais sobre esse fundamento, e tentarei responder às dúvidas mais freqüentes sobre o assunto. Se você tem alguma, mande um e-mail para
silvio.aguiar@gmail.com.

Você erra e o acionamento leva a culpa!

Hoje me preparei para falar do próximo fundamento: a visada. Mas resolvi antes disso, defender o “acionamento” das falsas acusações que recaem sobre ele.

No artigo anterior, lembramos inicialmente, que o processo do disparo segue a “lei da corrente”. Vamos então falar do grupo de atiradores que transferem para o elo “acionamento” toda a fragilidade da sua corrente.

Fazem parte de uma tribo que é categórica: a culpa dos tiros fora do centro sempre é do acionamento. Parece até o mordomo do tiro esportivo. É como se ele tivesse vida própria, com autonomia para fazer e acontecer. São excelentes atiradores em treino, porém nas competições são traídos pelo tal do acionamento.

O que ele (o ser desta tribo) esquece, é que o movimento de flexão do dedo indicador, vulgarmente chamado de “acionamento”, é uma ação motora executada por ele, e de sua exclusiva responsabilidade.

Parando para analisar a ação em si, ficamos espantados com a sua simplicidade. Ela chega a ser ridícula quando comparada com tantas outras ações que realizamos no nosso dia a dia, e mais ainda, quando comparada com ações motoras complexas praticadas em outros esportes.

Cá entre nós, executar com o dedo indicador uma força de “x” gramas, pressionando a tecla do gatilho de forma ininterrupta, no eixo correto, flexionando o dedo de forma independente do resto do corpo, não é realmente fácil? Sem dúvida é muito fácil. Então porque eles (não você) culpam o acionamento?

O fato é que, ao “perceber” qualquer erro no decorrer do processo de disparo, a providência imediata do cérebro (agora sim: o meu, o seu ou do ser daquela tribo) é interromper o acionamento, ou seja, parar (estancar) ação de flexão do dedo indicador.

A palavra “perceber”, na frase anterior, foi propositadamente destacada entre aspas, para ressaltar o “perceber” como a origem do problema. Na realidade, o erro não está no acionamento, e sim em tentarmos reassumir (retomar) uma ação interrompida pelo cérebro.

Vamos então concentrar nossa análise no “perceber”.

O atirador que inicia corretamente seu aprendizado treina os fundamentos posição, empunhadura e acionamento de forma independente, passando em seguida para o treinamento da visada e acompanhamento, chegando ao estágio de treinamento do processo completo, com todos os fundamentos corretamente aprendidos e fixados como hábitos puros. Só assim, alcançará o ápice do seu desenvolvimento técnico, executando o disparo ou a série, como uma habilidade motora única e autônoma.

Infelizmente, poucos são os que começam certo. A maioria, desde o início, treina atirando e, por conseguinte, compete treinando. Ou seja, durante o treino tenta fazer o dez e durante a competição tenta executar com perfeição cada fundamento. O que tem alguma habilidade se destaca e, dependendo da “terra de cego” em que vive, pode até chegar à seleção nacional.

Temos ainda o que começa certo, porém, com o passar do tempo relaxa no treinamento dos fundamentos, muitas vezes por entender que já está bom o suficiente e que treinar fundamento é coisa de iniciante. Converge para a mesma vala comum: passa a treinar tentando fazer o dez e a competir tentando fazer cada fundamento com a perfeição, só que agora, divina. Afinal de contas, ele já é um Deus.

Temos também aquele que por diversos motivos, cria uma expectativa de resultado acima de suas possibilidades e tenta nos treinos, fazer um número ainda maior de dez, e nas competições, fazer com mais perfeição cada fundamento.

Não podemos deixar de fora aquele que por não ter a correta empunhadura física, torce levemente o pulso ou emprega forças extras na empunhadura para manter a figura alça/massa alinhada. Por serem fatores estranhos ao processo normal, tanto os movimentos de correção, quanto as forças extras geram o mesmo tipo de problema que os casos acima.

E finalmente, temos aquele atirador que, na competição, quer parar a arma, buscando a utópica figura de visada com o a alça+massa+alvo, perfeitamente alinhados. Ou faz força para contrapor o arco de movimento natural e parar a arma, ou aguarda o tal momento mágico acontecer. Em ambos os casos, produz erros de processo.

São tipos aparentemente diferentes, porém, todos eles têm um ponto em comum: na hora da execução do processo, pensam, “percebem”. Percebem tudo que deveriam perceber no treino, criticando na hora errada cada fundamento, cada segmento do processo.

Essa crítica inoportuna gera um “processamento consciente” das ações que deveriam estar ocorrendo de forma autônoma, impedindo assim a fluidez do processo. Esse processamento fora de hora tem como conseqüência, o retardamento ou a interrupção da flexão do dedo indicador (ou ambos). Em qualquer dos casos, o tempo do processo ultrapassa o tempo ideal de disparo determinado principalmente pelo nível de dióxido de carbono (CO2) no organismo, prejudicando de imediato as funções controladas pelo SNC.

Para não perder a viagem, nosso “campeão” assume o comando das ações, retoma o acionamento, ativando a flexão do dedo indicador interrompida pelo cérebro, tendo como resultado final da lambança um inevitável tiro fora do centro.

Portanto, antes de culpar o coitado do “acionamento”, mude de tribo e assuma a sua responsabilidade pelos impactos fora do centro.
Esvazie a sua xícara. Treine os fundamentos. Não fique feliz por ter um olho e ser rei em terra de cego. Mire o recorde mundial da sua modalidade e o tenha como seu objetivo maior. Saia da mesmice, abandonando de vez a tribo dos que nunca erram e são sempre vítimas do tal “acionamento”. Migre para a Terra dos Campeões.

Acionamento

Prosseguindo com os artigos sobre os elementos do disparo, falaremos agora sobre o acionamento.

Já devo ter dito em artigos anteriores, que o processo do disparo segue a “lei da corrente”, ou seja, o sucesso do todo depende igualmente da qualidade de cada elemento (posição, empunhadura, respiração, visada, acionamento e acompanhamento). Um elemento executado de forma errada (um elo fraco) compromete o resultado final do processo (a corrente), mesmo que todos os outros tenham sido executados de forma correta.

Tenho observado que muitos técnicos e atiradores elegem o acionamento como o grande vilão do nosso esporte, responsabilizando-o pela maioria dos disparos incorretos.

Pessoalmente, penso que o problema não está na dificuldade de execução do fundamento em si, mas sim na formação equivocada (deformação) do atirador, ou seja, na fixação de hábitos incorretos na fase inicial de treinamento.

Em contra partida, também é correto afirmar que os demais fundamentos, quando aprendidos de forma errada, são de tratamento posterior mais fácil do que o acionamento. Mudar hábitos desenvolvidos incorretamente de posição, empunhadura, respiração ou de visada, ou mesmo a rotina seqüencial do processo como um todo, é muito mais fácil do que reparar erros no acionamento.

Para o atleta iniciante, a sustentação da arma com a mão livre é naturalmente um problema. Por isso, o aprendizado inicial do acionamento é feito sempre com a arma apoiada, permitindo-lhe manter sua estabilidade enquanto aprende e treina de forma “confiante” o movimento de flexão do dedo indicador.

Esse procedimento é decisivo para o sucesso do desenvolvimento e fixação do hábito correto do acionamento.

Mais uma vez, ressalto a importância do programa de treinamento físico do atleta (geral e especial), que tem como objetivo proporcionar o aumento da estabilidade da posição e a redução da amplitude do arco de movimento, provendo o condicionamento necessário para execução do acionamento com a mão livre, com a mesma fluidez e confiança, conseguida com a arma apoiada.

A passagem do apoiado para mão livre deve ser feita de forma gradual. É muito importante que durante a transição, o atleta se preocupe em manter o acionamento ininterrupto, sincronizado com os demais elementos do processo, e principalmente, aprenda a “aceitar” o seu arco de movimento (movimento relativo da figura alça/massa) que naturalmente será maior do que quando disparava com a arma apoiada. No acionamento correto, a ação de flexão uma vez iniciada não é mais interrompida, levando-se em conta apenas o tempo ideal de acionamento para cada modalidade.

O aprendizado com a arma apoiada, mantido até que o atirador alcance o arco de movimento desejado, impede a contaminação do hábito do acionamento pelas duas “impurezas”, que são realmente as grandes vilãs do nosso esporte: o retardo do início do acionamento e a flexão “indecisa” (fracionada) do dedo indicador. Ambas “impurezas” estão diretamente ligadas à vinculação equivocada da ação de flexão ao alinhamento da figura alça/massa com o alvo, ou seja, à formação da figura perfeita de visada.

Seguindo a nossa metodologia de aprendizado, montaremos primeiro o modelo mental do acionamento correto, para posteriormente aprendê-lo e treiná-lo.

Parto do princípio que todos já sabem o que é peso do gatilho, conhecem e entendem o funcionamento do mecanismo de ação da sua arma, ou seja, as peças que trabalham para liberar o percussor quando a tecla do gatilho é comprimida.

Nossa meta, o acionamento correto, só será atingida quando a força empregada à tecla do gatilho liberar o percussor sem provocar qualquer alteração no movimento natural do conjunto arma/atirador, ou seja, sem alterar o alinhamento relativo desse conjunto com o alvo.

O percussor é liberado quando essa força atinge uma intensidade igual ao “peso” do gatilho. Qualquer força de intensidade acima do “peso” do gatilho acarretará um excedente de “energia”, que contribuirá para o desequilíbrio do conjunto arma/atirador. Dessa idéia extraímos a primeira premissa do modelo mental: a intensidade da força de flexão deve ser a necessária para vencer o peso do gatilho e liberar o percussor.

Pelas leis da mecânica, sabemos que para um corpo permanecer em equilíbrio estático, a cada força nele aplicada deverá haver uma força contrária, atuando no mesmo eixo e de igual intensidade. Assim, para manter a arma em equilíbrio estático (mesmo que relativo) é necessário que a força exercida pelo dedo indicador seja aplicada num eixo paralelo ao eixo do cano da arma, preferencialmente no mesmo plano vertical, eliminando assim a ocorrência de componentes laterais que provocariam o desalinho do conjunto arma/atirador com o alvo. Surge então a segunda premissa: a força de acionamento deve ser constantemente aplicada num eixo paralelo ao eixo do cano.

Porém, de nada adiantará flexionar corretamente o dedo indicador, se essa ação não for feita de forma independente, ou seja, sem produzir (transmitir, influenciar) alterações na força que os demais dedos fazem no cabo da arma para empunhá-la. Chegamos então à terceira premissa: durante o acionamento só o dedo indicador aumenta a força; os demais empunham a arma com força constante.

Cabe lembrar, que quando o fundamento posição é desenvolvido de forma correta (pelo exercício de posição interior), os demais músculos do corpo também não sofrem a influência do acionamento e nem “colaboram” em momento algum com essa ação. É muito comum ver atiradores que disparam até com o ombro, produzindo movimentos espasmódicos quando, por qualquer motivo, o tiro não ocorre dentro do tempo ideal.

Para completar o nosso modelo mental, faz-se necessário lembrar que o acionamento é executado de forma sincronizada com os demais elementos, ocorrendo tudo dentro do tempo ideal. Esse tempo é limitado pelo período que o SNC, sem uma nova provisão de oxigênio, se mantém “funcionando” de forma adequada à atividade do disparo. Como falei anteriormente, esse tempo depende da modalidade praticada, mas nunca deve ultrapassar o tempo de sete segundos. Após esse período, perdemos a acuidade visual, a capacidade de concentração e de atenção, com a conseqüente alteração no controle da estabilidade do corpo, ocorrendo simultaneamente o aumento do arco de movimento.

Para que isso não ocorra, é necessário que a ação, uma vez iniciada, não seja mais interrompida, ou seja, a força de flexão é incrementada de forma ininterrupta. Chegamos então à quarta premissa, que junto com as demais compõem o nosso modelo mental para o aprendizado do acionamento:

“A força de flexão do dedo indicador deve ser aplicada na intensidade necessária a vencer o peso do gatilho, num eixo paralelo ao eixo do cano, de forma ininterrupta e independente da ação dos demais músculos do corpo (só o dedo do gatilho é que mexe), sincronizada com os demais fundamentos do disparo, de forma a liberar o percussor no tempo ideal de disparo para a modalidade.”

Uma vez entendido o modelo mental, o atleta pode passar para a fase de visualização da ação. A visualização é muito importante para construir na sua mente a imagem da ação modelo, que será utilizado como gabarito na fase de aprendizado. Durante o exercício de visualização, a repetição constante das premissas pelo técnico, ajuda na construção da imagem correta do modelo mental.

A fase seguinte é a exercitação da ação, inicialmente de forma lenta, criticando a ação e comparando-a constantemente ao gabarito. Nessa fase, e apenas nessa fase, o senso crítico é decisivo para o sucesso do aprendizado. O atleta tem que ser capaz de verificar o quanto a ação executada se aproxima do gabarito, buscando torná-la cada vez mais igual ao seu modelo mental.

É importante frisar que o próprio gabarito sofre evoluções na medida em que o atleta vivencia a ação, principalmente pela melhor compreensão (amadurecimento) das premissas que norteiam o fundamento que está aprendendo.

O exercício utilizado para aprendizagem e treinamento é o mesmo, iniciando sempre com a arma apoiada. Para a formação inicial dos atiradores nos clubes, pode-se inclusive, utilizar carabinas de ar comprimido de baixo custo, que por não permitirem o tiro em seco, podemos usar qualquer tipo de chumbinho, apenas para manter a pressão positiva dentro do cano durante a ação do êmbolo.

O exercício consiste em executar o acionamento com a arma apoiada e de olhos fechados, mantendo toda a atenção e concentração na correta flexão do dedo indicador, de forma a realizá-la conforme o modelo mental.

Durante o exercício, o técnico auxilia repetindo verbalmente as premissas, enquanto supervisiona visualmente a sua execução. Nas armas que permitem o tiro em seco (sem munição), a informação mais valiosa para o técnico é a manutenção do padrão de movimento da boca do cano (arco de movimento) durante todo o processo de acionamento.

Para que o atirador tenha uma referência do padrão de qualidade da ação executada, utiliza-se o mesmo alvo já preparado para o exercício de posição interior; aquele com um círculo representando a zona de visada.

Antes de fechar os olhos, o atirador monta a figura da alça/massa dentro do círculo. Executando o acionamento de forma correta, ao abri-los, encontrará a figura alinhada e dentro do círculo. Esse alvo de treino é usado tanto na fase apoiada como na fase em que a arma é sustentada com a mão livre.

A aprendizagem e o treinamento com os olhos fechados possibilitam a formação do hábito de acionar, sem vinculá-lo à imagem perfeita da figura de visada (alça+massa+alvo), que como já foi dito, é um requisito desnecessário e utópico.

É muito comum encontrarmos atiradores que durante a execução do processo do disparo, se "preocupam em acionar de forma correta", ou seja, treinam acionamento no momento errado e de forma errada. O problema se agrava quando isso ocorre nos exercícios de verificação (testes e competições).

Durante a execução do processo como um todo, o acionamento correto é realizado de forma inconsciente, ou seja, a ação é executada pelo cérebro sem nenhuma análise crítica consciente. A simples transferência da atenção para o acionamento, durante o processo do disparo, interrompe a execução correta da ação, prejudicando a fluidez do processo como um todo.

Portanto, treinar acionamento não é atirar, assim como atirar não é treinar. O atleta só deve executar o processo completo, depois de aprender e treinar isoladamente cada fundamento, fortificando igualmente todos os elos da corrente.

Lembrando os ensinamentos do Mestre Silvino: o tiro deve surpreender o atirador.
No Tiro Certo, você tem a sensação de que “alguém atirou”. Sem dúvida foi você, mas sempre de forma inconsciente.

Empunhadura - física e técnica – o segundo fundamento


A importância da correta empunhadura física, ou seja, o cabo da sua arma corretamente ajustado à sua mão, já foi enfatizado em artigos anteriores, mas cabe lembrar o ponto principal: proporcionar de forma natural o alinhamento da figura alça e massa, tanto em altura como na horizontal, com a arma na posição de disparo.

Lembro-me de um Grande Prêmio Brasil, no estande da Vila Militar, que o atirador alemão de tiro rápido disparou mais de 500 tiros no treino, dois dias antes da competição, para literalmente refazer o seu cabo envolvente (permitido na época). Ao chegar ao Brasil, devido às condições climáticas, sua mão não entrava no cabo. Felizmente, já havia uma massa de secagem rápida (plastic wood) que lhe permitiu moldar um novo cabo. Hoje, apenas na Pistola Livre é permitido o uso de cabo envolvente, desde que não cubra o pulso, impedindo o movimento vertical do mesmo.

Assim, não só o atirador tem que saber como ajustar o seu cabo, como só a ele cabe essa importante tarefa. No máximo, você pode partir de um cabo feito por terceiros, porém o ajuste fino da empunhadura, só você é capaz de fazê-lo com exatidão.

Atualmente, os cabos permitem diversos ajustes que possibilitam chegar ao alinhamento natural com certa facilidade. Porém, um pouco de “plastic wood” e umas lixadas sempre serão necessárias.

Se o cabo já cumpre com a tarefa de alinhar naturalmente o jogo de miras, o que mais importa no hábito de empunhar? Que influência o ato de segurar a arma tem no desempenho do atleta? Chegamos então à empunhadura técnica, ou melhor, na técnica de empunhar a arma.

Para montar o modelo mental do hábito correto do fundamento “empunhadura”, vamos recorrer a alguns conceitos de balística interna e da física.

No momento que pressionamos o gatilho e liberamos o percussor, esse ao atingir a cápsula (ou espoleta) deflagra a queima da pólvora, iniciando o movimento do projétil pelo cano da arma. O projétil, ao ser empurrado para frente pela pressão interna do cano, engasta nas raias e, ao mesmo tempo em que desliza pelo cano, ganha um movimento de rotação provocado pelo projeto das raias.

No momento em que se inicia o movimento do projétil dentro do cano, para que ele seja impulsionado para frente, uma força de igual intensidade e direção contrária (ação e reação) empurra a arma para trás, causando o que chamamos de “recuo” ou “coice”. Essa força tem sua intensidade determinada pelo tipo de munição que utilizamos, e tem como eixo de aplicação o eixo do cano.

Como estamos “empunhando” a arma, nossa mão recebe a ação direta desta força e para evitar que a arma venha para trás, produz uma força de reação ao recuo, só que num eixo paralelo e abaixo do cano. Forças iguais e contrárias, atuando em eixos paralelos geram um binário; nesse caso, dois: um atuando no plano vertical e outro no plano horizontal.

Esses binários são responsáveis pelos ângulos de salto nos respectivos planos, que fazem com que o cano se desloque para cima e para o lado esquerdo ou direito, dependendo da mão que utilizamos para empunhar a arma.

Voltando ao projétil, observamos que os ângulos de salto ocorrem durante o curto período (“delta t”) que ele percorre o cano, fazendo com que no momento em que ele (o projétil) deixa a boca do cano, tenha o ponto inicial da sua trajetória determinado pela amplitude dos dois ângulos de salto.


Já que o “recuo” é inevitável, para que tenhamos um bom agrupamento dos impactos no alvo é necessário que para todos os disparos os ângulos de salto sejam os mais uniformes possíveis. Isso requer (como tudo no processo do disparo) conformidade. No caso da empunhadura, conformidade é conseguida por duas ações: empunhar, durante todo o processo do disparo, com a mão sempre no mesmo lugar e empunhar sempre com a mesma força.

Se o nosso cabo está “pronto”, permitindo sem esforço o alinhamento da figura alça/massa, a conformidade de posicionamento da mão para todos os disparos está praticamente garantida. Mesmo nas pistolas (semi-automáticas e revólveres) de punho não anatômico, é fácil encontrar uma referência tátil (sinestésica) que permita reproduzir a mesma empunhadura para todos os disparos.

Empunhar sempre com a mesma força traz como conseqüência direta uma pergunta: com que força deve empunhar? A resposta converge para a premissa máxima do nosso esporte: comodidade. Qualquer força entre a arma cair da sua mão (força mínima) ou a arma começar a tremer (força máxima), responde corretamente a pergunta; desde que essa força não lhe provoque uma incômoda sensação de que estou apertando pouco ou muito o cabo da arma.

O melhor caminho é deixar que o seu cérebro “encontre”, de forma inconsciente, a força ideal. Ele faz isso facilmente; basta você solicitá-lo e não mais atrapalhá-lo com a sua “arrogância consciente”. Tentar encontrar a “força ideal de empunhadura” é o mesmo que tentar racionalizar com que força deve segurar a caneta na hora de escrever.

Mestre Silvino, na sua sabedoria, recomendava: segure a arma como se fosse um passarinho; se soltar ele voa, se apertar ele morre.

O que realmente importa não é com que força você empunha, mas sim que o faça sempre com a mesma intensidade e que a mantenha igual durante todo o processo do disparo. Dessa forma, os ângulos de salto ou o “recuo” serão os mesmos para todos os disparos, provocando o mesmo “desvio” no ponto inicial da trajetória dos projéteis. Trazer o centro do agrupamento para o centro do alvo é feito pela “poderosa” chave de “click”.

Nessa altura, você que é inteligente, já percebeu que o fundamento “empunhadura” se aprende e treina junto com o fundamento “posição interior”, uma vez que ao exercitá-la desenvolvemos e fixamos a “memória muscular” responsável pelo controle da estabilidade e imobilidade do conjunto atirador/arma, do qual empunhar é parte integrante.

Então, o exercício de “posição interior” (artigo anterior) ganha uma maior amplitude na medida em que introduzimos no seu modelo mental a atitude de empunhar com força constante e sempre igual, desenvolvendo a percepção sinestésica da pressão e do contato da mão com a arma.

Ao treinar “posição interior” estamos “ensinando” nosso cérebro como queremos que ele mantenha, de forma pró ativa, a estabilidade e o tônus muscular do corpo como um todo, incluindo o hábito correto de empunhar.

Uma vez aprendida, é só treinar, treinar, treinar......

Já ia me esquecendo: o alemão, aquele que refez o cabo da pistola, ganhou no dia seguinte a prova de Tiro Rápido do Grande Prêmio Brasil.

Use sua inteligência para transportar para sua modalidade os conceitos da correta empunhadura, seja ela carabina, prato, etc...

Posição - o primeiro fundamento a ser aprendido e treinado

Mas antes, já estamos com o conjunto atirador-arma corretamente alinhado? Se a resposta for não, cuide do alinhamento antes de prosseguir.

Para efeito de aprendizado e treinamento, divido o fundamento posição em dois segmentos: posição exterior e posição interior.

A posição exterior é aquela que se observa olhando o atirador e é responsável pelo correto posicionamento do conjunto atirador-arma em relação ao alvo. Assumi-la é simples; basta entrar no posto de tiro, e de olhos fechados levantar a arma até a altura de disparo, aguardando de olhos fechados, sua estabilização natural. Abra então os olhos e verifique o posicionamento do jogo de miras em relação ao alvo. Corrija tanto os desvios laterais como verticais, acertando o corpo e/ou realizando ajustes finos no conjunto atirador-arma. O importante é que, sem nenhum esforço ou movimento, as miras estejam alinhadas e pelo menos, na vertical certa da zona de disparo.

Conseguir uma correta posição exterior é simples e fácil, mas indispensável para iniciar qualquer exercício no estande ou em casa. Mesmo que você tenha ajustado o seu alinhamento com o alvo nas primeiras levantadas, não se dê por satisfeito até completar dez verificações.

Vamos agora para o fundamento posição interior.

Diferente da posição exterior, ninguém além do atirador é capaz de perceber esse fundamento. A posição interior é um “comportamento”. É a maneira pela qual nosso corpo trabalha para manter a estabilidade e a imobilidade do conjunto atirador-arma.

Como vimos no artigo anterior, para cada elemento a ser aprendido necessitaremos inicialmente definir claramente o seu modelo mental. Para que você possa montar o modelo mental da posição interior, vamos utilizar a seguinte definição: a posição ideal é aquela que nos possibilita a imobilidade e estabilidade de uma estativa, com o mínimo de consumo de energia e o máximo de conforto; é como se o conjunto atirador-arma se transformasse numa estátua, imóvel, perene; sempre na mesma posição, sem que nada perturbe esse estado de imobilidade antes, durante e depois do disparo, durante todos os disparos; sempre na mesma posição. Ou seja, no limite da excelência você e sua arma irão se transformar numa estátua, firme, imóvel, posicionada sempre igual em relação ao alvo.

Uma estátua (ou estativa) nos leva a visualizar a eficácia máxima, com todos os disparos atingindo o mesmo ponto no alvo, cujo grupamento só depende da qualidade da munição utilizada.

Seria fácil se fossemos feitos de metal. Infelizmente temos músculos, articulações, ossos, ou seja, um conjunto impossível de ser mantido imóvel, gerando na ponta do cano uma oscilação denominada arco de movimento. A amplitude do arco de movimento determina o grau de dificuldade do atirador em realizar um bom agrupamento de tiros no alvo. É muito importante frisar, que não existe nenhum atirador que tenha um arco de movimento de amplitude zero, ou seja, que consiga manter a arma totalmente imóvel.

Para contrapor a essa deficiência, fomos dotados de um supercomputador capaz de reproduzir de forma muito próxima o estado corporal ideal e controlar de forma pró-ativa a estabilidade do conjunto atirador-arma; o suficiente para manter a amplitude do nosso arco de movimento dentro de uma área equivalente ao centro, e durante o tempo necessário para acionar com tranqüilidade a tecla do gatilho. Para que possamos assumi-la e mantê-la de forma inconsciente, basta gravar nesse computador o software correto da posição ideal, ou seja, criar o hábito puro do fundamento posição (interior).

Portanto, as premissas para montar o modelo mental são: estabilidade, imobilidade, conforto e baixo consumo de energia.

Estabilidade é alcançada pela correta distribuição do peso da arma no conjunto atirador-arma. A melhor maneira de chegarmos à estabilidade ideal é distribuirmos igualmente o peso em ambos os pés. A distribuição é correta, quando eliminamos (minimizamos) o movimento natural do conjunto, pela busca do ponto de equilíbrio.

Imobilidade, como sabemos, é uma utopia; e como toda utopia funciona como as estrelas para o navegador: são inatingíveis, mas servem para lhe orientar e mostrar rumo a seguir.

A busca pela imobilidade é a luta eterna do atirador. Sozinha não é garantia de bom resultado, mas sem ela, é certeza de um mau resultado. A melhora da imobilidade é percebida pela diminuição do arco de movimento, e conseguida à custa de constantes exercícios isométricos, ou seja, sustentação da arma (ou peso equivalente) por tempo superior ao necessário para o disparo. Na realidade, o exercício para desenvolvimento da posição interior, como veremos mais adiante, é a base para a diminuição do arco de movimento por englobar na sua execução o exercício isométrico.

Conforto significa que a posição é cômoda e assumida sem maiores esforços, principalmente sem tensões musculares desnecessárias. Quanto mais natural a sua posição, mas fácil você irá repeti-la e mantê-la. Lembre-se que os nossos objetivos são: ser imóvel como uma estátua, durante o disparo, e assumir a mesma posição, a cada disparo. Se sua posição é “forçada”, ela é possível de ser algumas vezes repetida, mas impossível de ser replicada centenas de vezes. Algumas posições são tão “forçadas” que mesmo durante o pequeno tempo do disparo sofrem modificações, muitas vezes espasmódicas.

Baixo consumo de energia pressupõe a utilização unicamente dos grupos musculares necessários à sustentação do conjunto atirador-arma. Todo músculo que não for necessário para a sustentação da arma e manutenção da estabilidade, deve estar relaxado. Esse estado de relaxamento contribui inclusive para o conforto da posição.

Agora que você tem todas as informações para montar o seu modelo mental da posição interior, vamos ao exercício para desenvolver e fixar o hábito correto do fundamento.


O exercício para o aprendizado do fundamento pode ser feito no estande e/ou em casa, no seu “quarto” de treinamento. O rendimento maior se obtém treinando em casa.

Primeiro, necessitamos de criar um mecanismo que nos permita aferir a nossa evolução técnica nesse fundamento. Algo que nos indique o grau de oscilação do corpo e a amplitude do nosso arco de movimento.

No estande, utilizaremos a zona de visada do alvo normal como referência, ou seja, a região abaixo do alvo onde normalmente mantemos a figura alça-massa durante o disparo. Em casa, utilizaremos uma área circular branca para reproduzir a zona de visada, que inicialmente terá uma área proporcional ao nosso arco de movimento. Com o desenvolvimento técnico, reduziremos progressivamente da área branca, até chegar a uma zona que permita manter com pequena folga a figura alça-massa.

É importante que o círculo fique posicionado à uma distancia de mais ou menos um metro da ponta da arma e na altura equivalente à altura da zona de disparo do alvo nas medidas padrões e corretas do estande. Caso contrário, você irá desenvolver uma memória muscular errada, que irá produzir um hábito incorreto da posição interior.

O exercício consiste em levar a figura alça-massa para dentro do círculo (ou para a zona de visada, quando no estande), fechar os olhos e interiorizar o pensamento buscando reproduzir sua posição conforme o modelo mental da posição interior correta. Comece a construir sua posição pela sola dos pés, passando pela musculatura das pernas, quadril, tronco, cintura escapular, ombro, braço, antebraço, pulso, mão, dedo indicador, até chegar à ponta da arma. Controle mentalmente a distribuição uniforme do peso em ambos os pés, mantendo a estabilidade do conjunto, sentindo o aumento progressivo da imobilidade do conjunto atirador-arma e redução do arco de movimento, relaxando cada músculo do corpo que não está sendo usado na sustentação da arma e no controle da oscilação do conjunto. Faça isso, mantendo a arma estática no espaço, como se seu corpo estivesse “pendurado” e sustentado por ela. Após 30 a 40 segundos, abra os olhos e confira se a figura alça-massa se manteve dentro do círculo branco que representa a zona de visada (ou dentro da zona de visada, quando no estande). Para cada dez exercícios, sustente a arma com o braço oposto, por cerca de um minuto.

Use a sua percepção sinestésica para criar a memória muscular da posição interior, bem como a ação pró-ativa dos grupos musculares que atuam no controle da oscilação do conjunto atirador-arma, fundindo atirador e arma num único “ser”. Depois que você conseguir reproduzir sua posição interior conforme o modelo mental elaborado, você terá aprendido o fundamento e terá “ensinado” o seu cérebro como você quer que o seu corpo se comporte durante o disparo.

Agora é treinar, treinar, treinar....é a prática repetitiva e disciplinada para fixar o hábito desenvolvido.

“Milhares de repetições, e a perfeição emerge a partir do nosso verdadeiro ser.” – Provérbio Zen.

No contexto da metáfora do jardim de Mario Quintana, cuidar da posição interior é manter a “saúde” do nosso solo.

Com o tempo, você será capaz de, com os olhos fechados, trazer e manter a figura alça-massa dentro do círculo branco. Quanto tempo? Bem, os chineses dedicam o primeiro ano de treinamento apenas para esse fundamento. Só depois passam para o fundamento acionamento. Acredite se quiser.

Utilize sua inteligência para transportar o exercício para sua modalidade, seja ela feita com pistola, carabina ou espingarda.

Primeiro Aprender, depois Treinar, Treinar, Treinar....

Como falei no artigo anterior, a técnica de disparo é muito simples e justamente por ser simples pouco evoluiu nos últimos cinqüenta anos. Em 1958, Makhmoud Umarow foi campeão mundial de pistola livre com 565 pontos, resultado que ainda hoje o levaria a final de qualquer copa mundial. Cito a pistola livre como exemplo, por ser a única prova que não sofreu alteração das regras de arma e alvo, ou seja, atira-se hoje exatamente nas mesmas condições que Umarow atirou há 48 anos.

Já que a técnica é simples e pouco evoluiu, qual é o diferencial competitivo do nosso esporte? O que devemos focar para evoluir tecnicamente? Voltamos ao ponto que considero a nossa principal deficiência: a falta de metodologia de aprendizado e de treinamento.

A chave para a evolução é investir no estudo dos processos de aprendizado e de treinamento, buscando novas formas de organizá-lo, com foco na redução do caminho do atleta até o seu objetivo maior.

Dessa forma, não só possibilitamos ao atleta atingir mais rapidamente resultados competitivos, como também garantimos uma evolução constante do seu desempenho técnico, evitando a tão comum estagnação de resultados.

Tenho batido muito nessa tecla, pois ainda é um fato pouco percebido pelos nossos atiradores. A grande maioria está sempre “aprendendo” e com isso, nunca chega a “treinar”. Está sempre “aprendendo” uma nova forma de fazer o dez, uma nova forma de empunhar, uma nova posição, uma nova forma de acionar, etc...ou seja, uma total desorganização, sem rumo, sem metodologia, que mais cedo ou mais tarde o leva a um beco sem saída. Passa anos atirando como um eterno iniciante.

É importante que o atleta entenda que ir ao estande simplesmente para atirar, não é nem aprender nem tão pouco treinar!

Hoje, vamos nos concentrar nas informações que lhes ajudarão a aprender e posteriormente a treinar.

Como já vimos, o disparo é um processo composto de seis elementos: posição, empunhadura, respiração, visada, acionamento e acompanhamento. Sobrepostos e coordenados entre si, compõem uma só ação que deve ocorrer com a máxima economia de tempo e da melhor forma possível.

A eficácia depende da execução igualmente correta de todos os elementos. É o que denominamos “efeito corrente”. Uma corrente é tão forte quanto o seu elo mais fraco. Assim, a execução incorreta de um elemento do disparo neutraliza a precisão dos demais. O domínio maior de um elemento não compensa o erro em outro.

Também sabemos que a mente humana é capaz de controlar conscientemente uma pequena quantidade de informações dentre todas que o mundo nos apresenta. Ao mesmo tempo, percebemos e reagimos inconscientemente a milhares de outras coisas.

Conforme o estudo apresentado pelo psicólogo americano George Miller no seu trabalho clássico “The Magic Number Seven” (1956) - marco inicial da Ciência Cognitiva - nossa consciência limita-se a cerca de sete (dois a mais ou a menos) segmentos de informação; sejam do mundo interno dos nossos pensamentos ou do mundo externo. Acima de sete, esbarramos em dificuldades de fazer distinções absolutas entre uma informação ou outra. Abaixo disso, as tarefas são executadas e controladas com maior facilidade.

Nosso inconsciente, ao contrário, abrange todos os processos naturais do nosso organismo, tudo o que já aprendemos, e tudo que podemos perceber, mas não o fazemos, no momento presente. A maior parte de nossas ações (aliás, o que fazemos de melhor) é produzida de maneira inconsciente.

Concluímos que o inconsciente é muito mais sábio do que a mente consciente (condicionamento), e que controlamos melhor as ações conscientes quando reduzimos ao máximo o número delas (concentração).

O método de aprendizado que utilizaremos tem como base esses princípios. Iniciando com a segmentação do processo do disparo nos seus elementos básicos ou segmentos de comportamento, que, depois de aprendidos de forma consciente são unificados em segmentos cada vez maiores, buscando torná-los habituais e inconscientes, através do treinamento. Ou seja, transformamos os elementos do processo em hábitos inconscientes e concomitantes para que no momento do disparo possamos manter a nossa atenção, consciente apenas no que realmente é importante: na visada (figura alça/massa).

A noção de consciente e inconsciente é, portanto, fundamental para o nosso modelo de aprendizagem. Algo é consciente quando está presente na nossa percepção presente, como no caso desta frase. Algo é inconsciente quando não está presente na percepção atual. Os ruídos em segundo plano, provavelmente ficaram inconscientes até o momento em que você leu esta frase onde lhe chamo atenção a eles. Ter o controle do que permanece no seu consciente é o que entendo por “controle mental”.

No Tiro Esportivo, o atingimento de altos resultados só é possível quando o atleta é capaz de realizar todos os disparos como processos automáticos, corretos e análogos. Isso exige a formação e fixação de hábitos corretamente desenvolvidos.

Aí reside o grande problema do atirador que inicia de forma errada: uma vez aprendido e fixado é muito difícil corrigir um hábito, ou seja, “desaprender” para “reaprender”. Ainda nesses casos, utilizaremos o mesmo processo, como veremos mais tarde.

Chegamos então ao “X” da questão: como fixar o hábito correto de cada elemento do processo, para posteriormente fundi-los em um único “macro-hábito”: o Tiro Certo.

Ao contrário do que muitos pensam, para se construir um hábito correto não basta repetir uma ação de forma estereotipada. A simples repetição nos leva apenas à automatização. Para estabelecer um hábito preciso, puro, é necessário que no seu processo de desenvolvimento utilizemos modelos mentais claros, o mais próximo possível da ação que se quer aprender e que os movimentos sejam feitos de forma absolutamente correta, e não de modo aproximado.

Nesse ponto, podemos extrair dois fatores importantes para sucesso do aprendizado: o primeiro é a necessidade do técnico junto ao atleta, passando-lhe de forma clara as informações que ele necessita para compor os modelos mentais corretos de cada elemento; o segundo, a importância durante a seção de aprendizado da manutenção total, pelo treinado, da atenção na execução correta da ação em foco.

Tanto a utilização de modelos mentais incorretos, como a desatenção durante o aprendizado, trará como conseqüência a construção de hábitos impuros, contaminados pelos erros gerados pela imperfeição do modelo e/ou despercebidos e aceitos durante a execução desatenta das ações.

Sem dúvida, o Hábito Nº 1 e decisivo para a evolução técnica do atirador é a manutenção total da atenção no que se está aprendendo ou treinando.

Durante o processo de aprendizagem de uma ação, o atleta passa por quatro estágios:

No primeiro estágio, o candidato a atirador nada sabe e tão pouco sabe que não sabe. É a Incompetência Inconsciente.

Ao receber e entender as informações sobre a ação que irá aprender, o atirador fica apto a montar o seu modelo mental da ação em foco. Tem a informação, mas não consegue ainda executar corretamente a ação. É a Incompetência Consciente. Embora esse estágio seja desconfortável, é nele que mais aprendemos. É imperativo manter a atenção na execução correta de cada movimento, comparando-o constantemente ao modelo mental construído.

Ao executar a ação em conformidade com o seu modelo mental, o atirador passa para o estágio da Competência Consciente. Já aprendeu a técnica correta para executar a ação, mas ainda não a domina totalmente. A autocrítica é importante para o seu desenvolvimento. A utilização de recursos como gravação das imagens do atirador executando a ação e/ou uso do simulador eletrônico geram um “feedback” poderoso. O objetivo passa a ser a repetição correta da ação. Predomina a abordagem crítica. Transformamos a ação aprendida em um hábito puro. Nesse estágio, termina o processo de aprendizagem e inicia o de treinamento.

Por fim, e esse é o objetivo do nosso empenho, chegamos à Competência Inconsciente. A ação aprendida compõe uma unidade de comportamento, um hábito puro. Nossa mente consciente estabelece o objetivo ou tarefa e deixa que a mente inconsciente cuide dele (a), liberando a atenção para outras coisas. Pelo treinamento fixamos o hábito. A habilidade torna-se inconsciente. O “executor” está pronto para iniciar o processo de aprendizado do disparo e o atirador levará muito menos tempo para atingir a Competência Inconsciente do macro-hábito puro de disparar o Tiro Certo.
O modelo mental de cada elemento, como fundir os elementos em uma única ação harmônica – o Tiro Certo - e como aprimorar os hábitos fixados e “reparar” hábitos corrompidos será assunto dos próximos artigos.

Rumo ao Centro

Antes que eu esqueça: qualquer dúvida, crítica ou sugestão envie um e-mail para silvio.aguiar@gmail.com . O “feed back” de vocês é muito importante para mim.

Durante os próximos artigos vou tentar passar para vocês o que, no momento, entendo ser o melhor caminho para se chegar ao centro e nele permanecer.

Não serão artigos puramente técnicos, pois o caminho é composto muito mais de atitudes do que de conhecimentos técnicos. Na realidade, a técnica do disparo é muito simples; o difícil é regular e controlar a máquina responsável pela sua execução: o cérebro.

A técnica, como falei, é simples; consiste em assumir uma posição estável, alinhar a arma na direção do alvo, acionando o mecanismo de disparo sem alterar a estabilidade e o alinhamento, possibilitando assim, que o projétil lançado atinja o centro do alvo. Simples, muito simples!

Para que possamos falar a mesma linguagem, selecionei duas frases que sintetizam o que entendo por “filosofia de treinamento do tiro esportivo”.

A primeira, do Psicólogo Roberto Shinyashiki, profundo conhecedor da alma humana. Ela define os principais atributos que o vencedor necessita:

“Ninguém chega ao sucesso por acaso, por trás de um troféu sempre existe uma trajetória calcada em muita disciplina e perseverança.”

A segunda, de Mario Quintana, exprime com a sensibilidade dos poetas, a minha maneira de ver não só o esporte, mas a vida em si:

“O segredo não é correr atrás das borboletas...É cuidar do jardim para que elas venham até você.”

Portanto, para regular a nossa máquina de produção de centros e mantê-la funcionando corretamente, necessitaremos de muita disciplina, perseverança e principalmente, de compreender que o dez é uma conseqüência, e não o objetivo. O dez é a nossa borboleta.

O que será então o nosso jardim? Qual é a responsabilidade do atleta do tiro esportivo?

Todo esporte individual calcado na execução de uma ação que é aferida por um parâmetro mensurável, tem o mesmo perfil do tiro esportivo. Executa-se a ação, e através da medida desse parâmetro avalia-se quão melhor foi a sua execução. Um atleta de salto em altura, ao ultrapassar o sarrafo, tem na altura do mesmo a avaliação do resultado de sua ação. Um corredor de 100 metros avalia o seu desempenho pelo tempo medido para percorrer a distância.

Porém no tiro, mais especificamente nas modalidades de bala, encontramos uma característica ímpar: durante a prova não temos informação nenhuma do resultado dos outros atiradores. Por isso, não competimos contra ninguém. A aferição e comparação dos desempenhos só são feitas após o término da competição. Mantemos a nossa competitividade sem nenhuma informação sobre o desempenho dos demais participantes. Assim, mais do que em qualquer outro esporte, no tiro vence quem melhor controlar e regular a sua psique.

Em termos de resultado, a ação correta é aferida pela posição dos impactos em relação ao centro geométrico do alvo. Quanto mais próximo do centro, mais corretamente a ação foi executada, certo? Em parte. Nem sempre o tiro no centro do alvo indica que o processo foi executado corretamente.

Apesar de o resultado ser determinado pela soma dos pontos, para efeito de regulagem e treinamento da nossa “máquina de fazer tiros certos”, o que vale em primeiro lugar é o agrupamento dos impactos. Ou seja, quão junto estão os tiros efetuados. O valor do tiro em si só passa a ter importância muito adiante, quando já aprendemos a forma correta de executar o processo do disparo; no ajuste fino da máquina.

Por isso, a primeira distinção que faremos é sobre a responsabilidade do atirador. De todos os fatores que influenciam no seu resultado, muitos não dependem especificamente dele e, por conseguinte, não são de sua responsabilidade direta. Aí se incluem os equipamentos utilizados, a munição, as instalações e os fatores climáticos como vento, temperatura, luminosidade, etc...

Logicamente, a escolha do material mais apropriado e o cuidado para que funcione da melhor forma possível é da responsabilidade do atirador, porém, a sua dedicação ao treinamento não fará, por exemplo, que a munição escolhida e testada, produza um agrupamento menor do que o obtido com a sua arma na estativa.

As instalações e os fatores climáticos afetam igualmente a todos os concorrentes, porém é da responsabilidade do atleta a análise prévia dos mesmos, traçando a tática que adotará durante a competição.

Lembro-me de uma competição de carabina deitado, uma prova internacional, que um atleta da Seleção Brasileira levou 45 minutos, depois que o juiz deu o aviso de prova iniciada, para escolher o “insert” que deveria utilizar para a luminosidade do dia. Essa certamente foi a tática escolhida para justificar o seu péssimo resultado, e não para garantir o seu melhor desempenho.

Essa definição de responsabilidade é fundamental para que o atirador perceba e se conscientize onde ele deve concentrar os seus esforços de treinamento, ou seja, no que ele realmente pode influenciar e desenvolver.

O certo é que antes de comprar qualquer equipamento, ele leia os regulamentos técnicos da modalidade que escolheu. Sua responsabilidade começa então, no conhecimento das regras da prova, para então definir o que adquirir. Nessa fase de testes é importante que o clube tenha material para emprestar ao atirador iniciante, e que esse atirador seja orientado no sentido de fazer investimento correto no material.

Após comprar o melhor equipamento que a sua “habilidade financeira” permite, o próximo passo é conhecer todos os recursos que ele oferece, incluindo as possibilidades de regulagem e os seus efeitos.

O passo seguinte é ajustar o conjunto arma/atirador. Inclui-se no item atirador; a roupa de tiro e os demais apetrechos utilizados por ele, como óculos, abafador de ruído, etc... E no item arma; a bandoleira, o gancho, as miras, a empunhadura ou coronha, etc...

Revendo a definição da técnica do tiro esportivo, na sua simplicidade ela exige que de forma natural, sem esforço, o atirador consiga alinhar e estabilizar a sua arma na direção do alvo. Para isso, ele tem que ser capaz de em frente a uma parede branca e com os olhos fechados, levar a arma até a posição de disparo, e ao abrir os olhos, encontrar a figura alça/massa alinhada. Essa é a informação de que o conjunto arma/atirador está pronto e ajustado.

O nosso jardim, portanto, começa no conjunto arma/atirador. O primeiro passo para cuidar dele é acertar o alinhamento desse conjunto.

Eu levei cerca de um ano para ajustar o meu conjunto na pistola livre e na pistola de ar; trabalhando com paciência os cabos para que, ao empunhar a arma e levantá-la de olhos fechados até a altura de disparo, pudesse ao abri-lo, encontrar as miras alinhadas. Esse é um trabalho que deve ser feito pelo atirador. Quando muito, orientado pelo técnico. Mas quem tem que pegar na massa e na lixa, é você.

Cabe ressaltar, que a arma deve vir ao atirador, e não o inverso. Principalmente, a cabeça deve permanecer numa posição natural, possível de ser assumida sempre igual, sem esforços e, desse modo, repetida milhares de vezes.

Uma vez ajustado a empunhadura e o alinhamento, por favor, não mexa, por um longo tempo, na arma. É muito comum atiradores passarem a vida toda “encontrando” no cabo ou na coronha um novo jeito de fazer o dez. Não tem “novo jeito”. Se o conjunto está alinhado, sem esforço, com a cabeça na posição natural, esse passo está dado e é praticamente definitivo.

Se não ficou igual ao “Centrovizk” ou ao “Xang Ten”, os dois melhores atiradores do momento, não se preocupem: vinte, dos vinte primeiros atiradores do ranking mundial da sua prova têm conjuntos atirador/arma diferentes entre si. A única coisa que eles todos têm em comum é o correto alinhamento das miras, sem esforço.

Não estamos falando ainda de posição, apenas do alinhamento básico, primário, que permitirá iniciarmos o trabalho de desenvolvimento dos elementos (fundamentos) do processo de disparo.

Ao terminar de ler esse artigo, faça o “teste do alinhamento”. Mas seja honesto. Nada de jeitinhos. Em frente a uma parede branca, feche os olhos e leve a sua arma até a altura de disparo. Quando ela estiver estabilizada na posição de disparo, abra os olhos e verifique se as miras estão alinhadas corretamente. Se você teve que movimentar sua cabeça, o pulso ou reajustar a arma ao corpo para tê-las alinhadas, em suma, deu um jeitinho, volte à etapa zero. Qualquer ação ou disparo feito com o conjunto arma/atirador não alinhado, já começa errado.

Parece óbvio, mas vocês não imaginam a quantidade de “bons” atiradores que chegam à Seleção Nacional sem terem esse conjunto corretamente ajustado. Depois, não sabem por que as borboletas não pousam no seu jardim...

Ser Treinador é prestar serviços ao cliente Atleta

Fazendo uma reavaliação da atividade de técnico, repasso aos leitores um texto bastante oportuno, extraído do livro “O Tiro com a Carabina” escrito pelo atirador alemão Bernd Klingner, onde na página 197 ele define o que é ser um treinador. Segue abaixo sua transcrição conforme publicado na edição em português:

“O Treinador

Os impulsos necessários à vitória devem partir do treinador. A ele compete preparar seus “pupilos” para a competição, motivando-os para a vitória e programando sua atuação.
Para isso, é necessária uma boa dose de conhecimentos humanos, boas qualidades de liderança e muitos conhecimentos do assunto. Fazem-se grandes exigências ao seu desempenho, mas, infelizmente, existem ainda poucos treinadores capazes de atendê-los. Seguem alguns pré-requisitos básicos para um bom treinador:

1 – ser objetivo e tratar todos os atiradores da mesma forma é o mandamento principal. No momento em que perdeu a confiança de um atirador, ele perdeu a possibilidade de boa cooperação;
2 – desenvolver um plano de treinamento individual para cada atirador, cuidando para que o mesmo seja cumprido;
3 - discutir problemas técnicos do tiro para indicar ao atirador os seus erros. Mas deverá limitar-se a impulsos do pensamento, fazendo com que o atirador pense por si e colabore. Ao dar apenas indicações para se fazer determinadas coisas, ele apenas provoca a resistência do atirador. Quando pelo contrário, esse descobre o erro por si, terá maior facilidade de saná-lo;
4 – planejar o treinamento de modo a torná-lo interessante, conseguindo total colaboração dos atiradores;
5 – estimular os atiradores durante o treino-competição e controle do desempenho de modo a agirem como se fosse competição;
6 - esclarecer os atiradores já durante o treino sobre o desenrolar e a problemática da competição em vista;
7 – manter as determinações para as eliminatórias mesmo quando se torna difícil, quando um atirador pré-escalado não consegue classificar-se;
8 – não deixar perceber o próprio nervosismo ao participante antes da competição;
9 – estar presente só para seus atiradores, ignorando seus próprios interesses;
10 – escalar os atiradores segundo seus pontos obtidos e não pelo “sentido”, já que os pontos são mais realistas;
11 – estar sempre ao alcance dos atiradores durante a competição, caso aconteça alguma coisa de anormal;
12 – exigir do atirador apenas que atire da melhor forma possível, mantendo afastados todos os demais problemas;
13 – dar valor às performances de cada um dos seus atiradores;
14 – depois da competição, procurar uma razão objetiva para cada resultado, bom ou mal, em conjunto com os seus atiradores;
15 – lembrar de vez em quando que pode haver atiradores sem treinador, mas não haveria treinador sem os atiradores;

Essa lista poderia ser ampliada. Para finalizar, só mais o seguinte: o treinador não deve retirar a responsabilidade do atirador pelo seu desempenho. “O atirador tem que responsabilizar-se por suas próprias ações.”

Para mim, o texto é muito mais do que uma lista de pré-requisitos para o cargo; eu a classifico como a “Tábua dos 15 Mandamentos do Técnico de Tiro Esportivo”.

Também é muito importante entender, que apesar da conotação “espiritual” do título que dei à lista, no que tange ao resultado do treinamento, não existe “milagre” e como bem preconiza Klingner, sem a conivência responsável e conseqüente do atleta, pouco adiantará o trabalho e a dedicação do técnico.

Para os que não conhecem o autor, Bernd Klingner foi atirador de carabina da equipe alemã nas décadas de 60 e 70. Competindo nas três modalidades olímpicas, conquistou vários títulos europeus, mundiais e olímpicos, destacando a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do México (1968) na prova de carabina 3x40 com 1157 pontos.

Seus melhores resultados em provas internacionais foram: 3x40 – 1177; deitado 60 tiros - 600; deitado 40 tiros – 400; pé 40 tiros - 387; joelho 40 tiros – 398; carabina standard – 586; carabina de ar 40 tiros – 392.

A citação acima tem como objetivo ressaltar o que é dito e reclamado por muitos atiradores: que não há como ser um Campeão (propositadamente com “C” maiúsculo) sem um técnico. Ao que eu acrescento: e sem a obediência a um programa de treinamento.

Aliás, não é só no esporte que a coisa funciona dessa forma. Segundo a definição de Timothy Gallwey, americano, consultor e coach empresarial, a atividade de coaching “é uma relação de parceria que revela/liberta o potencial das pessoas de forma a maximizar o desempenho delas. É ajudá-las a aprender, ao invés de ensinar algo a elas”.

No livro “Coach, um parceiro para o seu sucesso”, da Editora Gente, a autora brasileira, consultora e coach empresarial Ane Araújo, descreve: “É o coach que dá suporte ao cliente, serve ao cliente, a não o contrário. Mesmo que seja um líder apoiando pessoas do seu time, ele está a serviço do time, e não o inverso”. Mais adiante ela define: “Coach é o papel que você assume quando se compromete a apoiar alguém a atingir determinado resultado. Portanto, o processo de coaching começa quando a pessoa procura o seu apoio para resolver um problema ou realizar um projeto, e você aceita comprometer-se com esse papel”, complementa Ane Araújo.

Dessa forma, fazendo o paralelo com o mundo empresarial, o atleta é o cliente e o treinador ou coach é o seu facilitador no processo de desenvolvimento de novas competências, assegurando-se que o cliente produza os resultados desejados.

Quando optei por atuar como “coach de tiro esportivo”, passei a observar o comportamento dos profissionais de sucesso nessa área, e adotei como exemplo um dos melhores da atualidade, o técnico “Bernardinho”.

Numa recente reportagem sobre o seu sucesso à frente da nossa seleção de vôlei, ficou patente pela incrível coincidência da sua forma de agir e pensar com os “15 Mandamentos” acima, que a minha escolha foi acertada tanto nos “mandamentos” quanto no modelo. Dentre outras “verdades,” ele afirma que “só é campeão aquele que gosta de treinar”.

Aliás, a reportagem atualizou o meu conceito quanto à proporção inspiração / transpiração na fórmula do sucesso. Antes eu achava ser de 10% - 90%. Na entrevista ele define a composição como sendo 1% de inspiração e 99% de transpiração.

Resumindo: tanto no mundo do esporte como no empresarial, o treinador ou coach é um prestador de serviços ao cliente, porém da mesma forma, o bom cliente é aquele que é fiel e responsável. No caso do cliente atleta, a fidelidade reside na dedicação aos treinamentos.

Experiência Cubana

Em 2005 estive em Havana - CUBA, onde participei de um curso de especialização para treinadores de tiro esportivo. O curso, patrocinado pela Solidariedade Olímpica e pela ODEPA (Organização Desportiva Pan-Americana), teve como finalidade principal a capacitação de técnicos que atuam em países da América Latina.

Não poderia passar por um curso como esse, sem dividir com vocês as experiências adquiridas. Seria um egoísmo e um contra-senso.

O conteúdo programático das palestras e aulas práticas abrangeu diversos aspectos da preparação teórica, técnica, tática, física e psicológica do atirador esportivo, e como não poderia deixar de ser, falou-se muito sobre elaboração e execução de planos de treinamento.

Minha opinião quanto à importância de um plano de treinamento já é bem conhecida da maioria, porém se antes eu dizia que era necessária, agora posso dizer que é imprescindível.

Excetuando Cuba e em alguns países da antiga URRS, nos demais não encontramos cursos universitários específicos para formação de técnicos de tiro esportivo. Na grande maioria dos países, os técnicos são ex-atletas que trabalham com base em suas experiências como competidores, com pouca ou nenhuma metodologia científica. Não somos uma exceção, portanto.

Cuba também é um dos poucos países que consegue efetivamente levar a cabo um Programa Científico de Treinamento para os seus atletas de tiro esportivo. O sistema político e sua pequena extensão territorial contribuem para o sucesso do programa. Porém, outros países do Continente Europeu com características geográficas e políticas diversas fazem o mesmo.

Durante o período do curso, principalmente nas aulas práticas, pude constatar a escassez de recursos materiais com que a equipe cubana treina, chegando a ponto de não ter nenhuma munição para o treinamento, que hoje é feito 100% em seco. Armas e demais equipamentos de vestuário também são antigos. Mesmo assim, atingem os atletas cubanos pontuações e nível técnico, principalmente nas modalidades com carabina, muito acima dos atletas dos demais países latino-americanos, incluindo “nosotros”.

A única razão para isso é a metodologia de treinamento aplicada. Com base num plano quadrienal cíclico, dividido em macrociclos (subdividido em mesociclos e microciclos) personalizados para cada atleta, englobando as atividades diárias de preparação teórica, física, técnica, tática e psicológica.

Quando digo que é a única razão, me refiro ao fato de que nos demais aspectos, sem dúvida as nossas condições são bem melhores.

O Brasil vem evoluindo a cada ano na preparação dos atletas de alto rendimento de diversos esportes, com a aplicação de programas de treinamento elaborados com base nos modernos conceitos do Treinamento Esportivo. Porém, especialmente no tiro esportivo, vejo que ainda temos muito trabalho pela frente.

Não podemos deixar de mencionar que o atleta de tiro esportivo possui particularidades muito distintas dos demais esportes, como faixa etária e responsabilidades familiares e profissionais. Porém, essas particularidades são inerentes também aos atiradores dos demais países, inclusive aos de Cuba.

Também não podemos deixar de mencionar, que para se cumprir um plano de treinamento tão abrangente, é necessário que o atleta mantenha a chama da paixão pelo seu esporte acesa, colocando-o em igualdade de importância às demais atividades familiares e profissionais, no que tange a dedicação e alocação de tempo.

Sem dúvida, as principais razões porque a maioria das pessoas não consegue atingir seus próprios objetivos, é que elas olham para eles e dizem para si mesmas que não têm tempo para fazer o que precisam, ou simplesmente o rotulam de ambicioso demais para si.

Hoje, mais do que nunca, num esporte olímpico de alto rendimento como o tiro, a obtenção de resultados de nível internacional só é acessível ao atleta aplicado, que tenha realmente paixão pelo que faz e que se disponha ao trabalho intenso exigido por um plano de treinamento.

No nosso caso, além dos limites reais, denominados “limites limitantes” (como não fazer 600 com uma munição de baixa qualidade), é muito comum ouvirmos de alguns atletas: “Não tenho isso ou aquilo”, gerando o rol particular de “limites limitados”, ou seja, limites irreais, criados pela sua própria mente para justificar o seu baixo desempenho ou camuflar o seu baixo nível de interesse pelo esporte, em suma, sua preguiça.

Nossas aulas práticas foram auxiliadas por atiradores da equipe nacional cubana, em especial pela duplamente Campeã Pan-Americana em 2003, Eglis Cruz, vencedora das provas de Carabina de Ar (396 / 497,4) e Carabina 3x20 (571 / 668,5).

Eglis enfrentou e venceu concorrentes que certamente disparam por semana uma quantidade de tiros reais que ela não dá por ano. Porém, ela é capaz, por exemplo, de fazer 50 tiros em seco na posição de joelho, sem sair da posição, ou se manter imóvel (sem se mexer) por 45 minutos nos exercícios avançados de estática. Isso sem dúvida custa menos que uma caixa de “TENEX”.

Ao conhecer sua realidade, reforcei a minha opinião de que nada impede alguém de conseguir o que realmente deseja.

Conversei também com técnicos responsáveis pela coordenação do treinamento de turmas de até 100 atletas das categorias de base do sistema desportivo cubano (“Pioneril” 10‑12 anos e “Estudantil” 13-14 anos), que utilizando carabinas de ar comprimido de mira aberta (tão “horríveis” quanto as nossas) cumprem, já nessa fase de iniciantes, um plano de treinamento esportivo tão minucioso quanto da equipe principal.

Uma das minhas maiores expectativas no curso de Cuba era exatamente isso: entender como um país que dispõe de tão poucos recursos materiais, consegue num esporte como o tiro, alcançar e manter resultados expressivos.

Resumo a experiência que adquiri em Cuba numa única frase: não há segredo, há trabalho.